quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

A Forja de Zandru - trecho 36

Autor: Marion Zimmer Bradley e Deborah J. Ross
Tradução: Gisele Conti

...
- Deixe-me tentar, - ele disse, gentilmente puxando Carolin para baixo.
- Você? - Eduin inquiriu. - O que pode fazer? Cerriana, esta é uma terrível idéia... ele não tem treinamento como monitor... pode piorar a situação...
- Não, - Carolin disse. - Confio em Varzil. Deixe-o tentar.
Ignorando o comentário de Eduin, Varzil posicionou suas mãos em volta do antebraço de Carolin, forçando firme e gentilmente o ombro. No começo, ele sentiu a resistência como se estivesse puxando um nó apertado de uma corda. Os músculos ficaram tensos pela dor. Carolin fez uma careta.
Não resista, bredu, ele falou mentalmente a Carolin. Eu sei que dói, mas consegue soltar seu braço em minhas mãos?
Carolin, que estava prendendo a respiração, relaxou. Varzil sentiu os músculos se soltarem. Agora era o momento.
Rezando para sua memória estar correta, Varzil trouxe o cotovelo de Carolin para o seu lado, mão girando para trás. Sentiu o calombo no braço começar a se mover. Com o próximo movimento, Varzil moveu devagar a mão de Carolin na direção do ombro oposto, continuando a segurar o cotovelo para seu lado.
- Ah! - Carolin gritou.
Varzil sentiu mais do que ouviu o osso do braço voltar ao lugar. Os tecidos em volta ficaram quentes. Varzil agachou-se, percebendo que estava suando.
- Agora, onde está aquela tipóia? - ele disse. Cerriana, com os olhos arregalados, foi pegar o pano na cesta de piquenique. Rapidamente, amarrou-o em volta do braço de Carolin.
Depois que Carolin disse se sentir bem o suficiente para viajar, Cerriana anunciou que ela e Valentina retornariam com ele a Arilinn.
- Não há sentido em irmos todos, - Eduin disse. - Varzil e eu podemos continuar a colher.
Com Carolin seguramente de lado em seu belo cavalo negro e Valentina na mula, Cerriana guiou a pequena caravana de volta à Torre. Varzil voltou para a árvore onde estavam colhendo. Ele ergueu a escada do chão.
- Se espera ser tratado como algum tipo de herói, ficará desapontado. - Eduin surgiu ao lado dele.
Varzil conteve sua surpresa. Não gostava do brilho nos olhos de Eduin, nem as palavras do outro garoto o traziam qualquer coisa boa. Sua inquietação anterior voltou.
- Apenas fiz o que precisava ser feito, - ele disse tranqüilo. - Não espero nenhuma recompensa.
O tom de Eduin tornou-se zombeteiro. - Se sabe o que é bom para você, ficará longe de Carlo de agora em diante.
- O que isso tem a ver com você? - As palavras saíram da boca de Varzil antes que pudesse refletir. Raiva pulsava em seu estômago.
Talvez, ele percebeu, não gostasse de Eduin por sentir o quanto Eduin não gostava dele.
Por quê? Ele não era nenhuma ameaça para a posição de Eduin na Torre, e também desconhecia qualquer desavença entre suas famílias. Escorpiões de Zandru, ele nem sequer sabia quem era o pai de Eduin! Que diferença isso podia fazer?
Eduin se aproximou. Era mais alto que Varzil, portanto olhava para baixo, encarando-o. Seus lábios estavam retorcidos. Ele encostou um dedo no peito de Varzil. Esse seria um gesto ofensivo sob quaisquer circunstâncias, mas para telepatas acostumados à respeitosa restrição física, aquele era um insulto direto.
Varzil podia ser novo na Torre, mas não tão novo para não perceber a implicância. Estava consciente de que estavam ali sozinhos, de que Eduin além de mais velho e mais alto, era também mais pesado. Nunca tinha sido um lutador; se Eduin decidisse demonstrar seu ponto de vista com os punhos em vez de palavras, sua única opção seria correr. Mas isso apenas adiaria o inevitável.
- Cuide de sua própria vida, - Eduin disse, cuspindo cada palavra. - Ninguém queria você aqui pra começar, mas como temos que te agüentar, é melhor ficar em seu lugar. E seu lugar é bem longe de mim e de Carolin Hastur.
Os pensamentos de Varzil se alertaram. Eduin estava lhe dizendo que Carolin era sua propriedade particular e que nenhuma amizade de fora seria tolerada. Eles não eram amantes, Varzil saberia se fossem, e o povo da Torre não era puritano. Percebera isso desde sua primeira noite quando Cerriana e Ricardo haviam se retirado juntos.
Ele não é nada mais que um encrenqueiro.
Varzil endireitou seus ombros e encontrou o olhar do garoto mais velho firmemente. - Irei me relacionar com quem eu quiser. É Carlo que deve dizer quem são seus amigos, não você.
Assim como qual era o seu lugar, que era a Torre Arilinn. Algo o impediu de jogar as palavras no rosto de Eduin. Talvez fosse o velho hábito de manter seus pensamentos para si mesmo, ou sentira que mesmo um valentão devia ter influência sob suas palavras.
Eduin era claramente um favorito, avançando rapidamente através dos níveis de trabalhadores da Torre. Se cumprisse sua promessa, arrumaria um perigoso inimigo.
O que realmente importava ali? Encarar um valentão ou seguir seus próprios sonhos, de enfim estar na Torre Arilinn?
Ou era aquele rancor que iria crescer e inchar até sair totalmente da razão? Ouvira histórias dessas rivalidades, pendendo por gerações.
Instintivamente, Varzil procurou a mente de Eduin. Se podia estabelecer uma comunicação primitiva com um homem-gato, que nem mesmo era humano, poderia também ser capaz de transpor o que quer que o separasse daquele jovem.
Varzil encontrou uma parede, tão firme e lisa quanto uma superfície polida. Ele se retirou, espantado pela completude da barreira. Os pensamentos de Eduin parecia apenas refletir, não podendo ser penetrados.
Polida... como se por anos houvesse a necessidade de manter algo escondido. Não era apenas contra ele naquele momento, Varzil percebeu, mas simplesmente a maneira como Eduin habitualmente encobria seus pensamentos. Mesmo na Torre, onde homens falavam através da mente, o que poderia ser mantido escondido? Por que essa necessidade desesperada de privacidade?
E o quão terrivelmente sozinho ele devia se sentir. O que teria lhe acontecido, para produzir essa barreira tão completa?
Varzil encheu-se de compaixão. Ele mesmo havia se compelido a manter segredos por quase toda a sua juventude. Uns poucos erros anteriores, como falar dos Ya-men sussurrando sob as luas, havia lhe convencido do perigo da sinceridade. Ali na Torre, esperava finalmente poder ser ele mesmo, entre pessoas que o entendiam. Como era infinitamente triste que Eduin, que estava ali há quatro anos, ainda não pudesse confiar em ninguém os cantos ocultos em sua mente.
Mas bem, isso não era problema seu. E se Eduin sentia-se próximo e confiável a Carolin, era melhor ele ter um único amigo do que ser tão terrivelmente sozinho.
Silenciosamente, Varzil voltou a colher maçãs. Suas mãos e pés moviam-se por conta própria, subindo os degraus de madeira, pegando uma esfera verde após a outra. Mas enquanto trabalhava, o veneno insistente do ataque de Eduin continuava a remoê-lo por dentro. Não sentia mais o aroma agridoce das maçãs. As cores do dia escureciam, como se uma névoa passasse sobre o céu sem nuvens. Ele esvaziou os bolsos de seu avental várias vezes dentro das cestas até que quatro delas já estivessem cheias. Deixando um pônei para Eduin, ele pegou as rédeas dos outros dois e caminhou de volta a Arilinn.

...continua

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