segunda-feira, 30 de julho de 2012

A Forja de Zandru- trecho 50


- E uma bela manhã para os dois, m’lordes, - ele disse.
- Eu chutei a quantia, pois não sei o valor aqui, - Varzil admitiu enquanto saíam, sorvendo suas bebidas quentes. - Provavelmente era muito.
- Muito para o jaco, sim, mas não pela hora e preço das canecas, - Carolin disse.
Após uma pausa, Varzil disse,- Ele não o conhecia.
- Não, apesar de alguns dos ricos mercadores conhecerem, aqueles que já estiveram na corte. Vivi aqui apenas alguns anos antes de ir para Arilinn. Não, não sou um homem da cidade, nem por nascimento ou escolha, embora isso deva mudar. Cresci no campo, na propriedade de minha mãe em Lago Azul. Muito bonita no verão. Pacífica também, embora não apreciasse naquele momento. Em Arilinn, eu senti mais saudades de lá do que do castelo aqui. Ainda, - ele suspirou, enquanto a onda de saudade passava, - Hali é um lugar como nenhum outro. A não ser pela rhu fead, onde as coisas sagradas são mantidas. Há muitos lagos, mas apenas um em Hali.
É o lar adequado para um Hastur de minha linhagem. Lago Azul foi minha infância, Arilinn uma escola de férias. Agora começa a minha vida real.
Varzil pareceu pensativo. - Espero poder ver o lago. Ouço sobre ele desde criança, sobre suas estranhas nuvens onde se pode respirar ao invés de água comum e das criaturas que nadam em suas profundezas. - E não adicionou o fato de não haver tempo para uma expedição como aquela, não com a chegada de mais hóspedes e membros de outros ramos do clã Hastur, todos ansiosos em usar a reunião do feriado para estratagemas políticos, acordos e fofoca.
E depois, veio o pensamento não dito, Eduin e eu o deixamos livre para voltar a Arilinn.
Carolin não havia pensado em como aquilo devia parecer a Varzil, estar ali em Hali, um lugar sobre o qual ouvira falar apenas em contos e baladas. Até uma geração atrás, nenhum Ridenow sonhara em andar livremente em território Hastur. Ele mesmo estivera tão ocupado com a saúde de seu tio, as notícias de seu casamento impedido, pondo-se em dia com os assuntos da corte, que tivera pouco tempo para bancar o anfitrião. Eduin alegremente atendera aonde fora convidado. Varzil permaneceu quieto nas sombras, nunca atraindo a atenção para si mesmo ou pedindo quaisquer favores.
Varzil, como se captando seu pensamento, disse rapidamente. - Isso não importa. Vamos aproveitar esta breve liberdade, até que algum assistente de coridom chegue para nos puxar de volta.
Carolin, apesar de tudo, ainda estava infectado com a movimentada manhã e tentando escapar das intrigas e confinamento da corte. Uma idéia chegou até ele, como muitas das que tivera quando garoto. Havia um estábulo aonde ele era conhecido. Dinheiro não seria o problema.
Ele sorveu o restante de seu jaco, queimando um pouco a língua. Pegando a caneca de Varzil, estendeu as duas para o passante mais próximo, uma jovem garota em um manto puído carregando uma pilha de roupas. O fardo era grande demais para ela, mas de algum modo ela conseguiu segurá-lo e agarrar as canecas antes que caíssem. Seus olhos brilharam e Carolin percebeu que, para ela, a louça de barro representava um tesouro inesperado, bem melhor do que qualquer um que sua família possuía. Não havia pedintes em Hali, mas nem toda família era afortunada.
- Vamos! - Rindo, Carolin se direcionou aos estábulos.
Varzil soube imediatamente o que ele pretendia, pois suas mentes estavam sob leve contato. Ele não objetou ou criou argumentos sobre porque um príncipe não deveria ir a uma expedição dessas na véspera do Festival de Inverno. Essa era uma das coisas que tornava Varzil tão agradável de conviver. Varzil era sempre flexível. Carolin vira sua natureza obstinada naquela manhã aos portões de Arilinn. Varzil parecia até contente por deixar outros comandarem sua própria vida...
Ao contrário de Lyondri, Carolin pensou pesaroso, que parecia saber exatamente qual o dever de cada um e nunca hesitava ao relembrá-los a cada oportunidade. Varzil estava certo. Seu primo criaria uma enorme confusão. Isso fazia uma aventura parecer ainda melhor. Eles deviam aproveitar o máximo da manhã de liberdade.
O homem no comando do estábulo reconheceu Carolin e providenciou dois cavalos selados. Eram os melhores que tinham para alugar, o que significava que tinham boca flácida e andar cambaleante, mas não tinham hábitos letais como sair empinando.
Os cavalos balançavam suas cabeças em ritmo, soprando vapor de suas narinas. O gelo rachava sob suas ferraduras. Enquanto a cidade caía atrás, montes intocados de neve se espalhavam nos dois lados da estrada. Pingentes de gelo pendiam das cercas e formas de folhas congeladas brilhavam nos muros baixos de pedra. Arbustos delineavam os campos, rijos e sem folhas sob sua cobertura branca.   
Quando estavam a meio caminho de seu destino, ouviram atrás deles o som de cascos. Mesmo enquanto se virava em sua sela, a mão de Carolin foi automaticamente para onde sua espada deveria estar presa, ao lado de seu joelho. Não estava lá. Ele não precisava de uma dentro de seus próprios aposentos, e havia descido correndo para o pátio e depois saído sem pensar naquela aventura matutina. Mesmo dentro do vasto território Hastur, aquilo era extrema falta de cuidado.
Negro em contraste com os campos, um cavaleiro atiçava seu cavalo em sua direção, ainda longe o bastante para ocultar suas feições. Não vestia cores, nem o azul e prata de Hastur, nem qualquer outra.
Podíamos fugir dele...
A risada de Varzil afastou o pensamento. - Não precisamos correr deste cavaleiro!
O cavalo de Carolin dançou sob ele, infectado pela sua própria agitação. - Como...?
Pergunta estúpida. Aquele era Varzil, que algumas vezes sabia o que ele estava pensando antes mesmo que ele percebesse. Varzil que tinha resgatado seu irmão das garras dos homens-gato, apesar de nunca terem barganhado ou sido feito prisioneiros. Varzil que tocara sua mente pela primeira vez... e recolocara seu ombro... quando havia perdido totalmente seu equilíbrio no pomar em Arilinn.
Com um estranho calafrio, Carolin se deu conta de estar mais seguro na presença de Varzil do que em qualquer outro lugar, mesmo na mais poderosa fortaleza.
- Lorde Carolin! - a voz vacilou ao longo da estrada.
- Orain!
Carolin reconheceu o cavalo daquele mesmo estábulo, um cinzento cheio de moscas de andar duro e temperamento desagradável. Orain pegara pesado com ele. Arfava pesadamente e linhas negras de suor listravam seu couro. O próprio Orain não parecia melhor, sua face angular firme, olhos sombrios. Carolin percebeu que estava armado.
- O que está fazendo aqui? - Carolin perguntou.
Orain se enraiveceu. - O que você está fazendo aqui?
- Obviamente, estávamos a caminho do lago. Lyondri o mandou para me espionar?
Varzil hesitou à reação de Orain. - Carlo, Orain não podia saber onde estávamos indo, apenas que deixamos o castelo sem uma escolta apropriada. O que mais ele poderia fazer?
Carolin sentiu-se embaraçado. Amor, não a conspiração da corte, havia enviado Orain atrás dele. Era cruel zombar de tal lealdade.
- Sinto muito, - disse a Orain, - é apenas diversão, como quando éramos garotos. Nunca pretendi causar nenhuma preocupação, muito menos a você.
- Não somos mais crianças, - Orain disse com firmeza.
É exatamente o que Maura disse.
O cavalo de Carolin remexeu-se sob ele, captando a onda de emoção. Ele quisera apenas estender as férias um pouco mais antes de assumir o manto dos Hasturs, esperando até a hora de tornar-se Rei. Em Arilinn, tinha sido fácil esquecer, ser simplesmente Carolin.
- Já que veio até aqui, - Carolin disse, espantando o mau humor, - vamos todos juntos. Sua espada e os raios de Varzil será proteção mais do que suficiente! - Ele virou seu cavalo em direção ao lago e bateu-lhe com os calcanhares, sem esperar por uma resposta.
- Meus o quê? - Varzil gritou, chutando seu cavalo relutante para manter o passo.
- Você não pode lançar relâmpagos das pontas dos dedos? Pensei que todo leronyn podia fazer isso! - Carolin riu disfarçadamente à expressão ultrajada de Varzil.
Ocorreu-lhe depois, muito depois, que aquilo não era algo com o que se brincar.

 Continua...

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