- E uma bela manhã para os dois, m’lordes, - ele disse.
- Eu chutei a quantia, pois não sei o valor aqui, - Varzil admitiu
enquanto saíam, sorvendo suas bebidas quentes. - Provavelmente era muito.
- Muito para o jaco, sim, mas não pela hora e preço das canecas,
- Carolin disse.
Após uma pausa, Varzil disse,- Ele não o conhecia.
- Não, apesar de alguns dos ricos mercadores conhecerem, aqueles que já
estiveram na corte. Vivi aqui apenas alguns anos antes de ir para Arilinn. Não,
não sou um homem da cidade, nem por nascimento ou escolha, embora isso deva
mudar. Cresci no campo, na propriedade de minha mãe em Lago Azul. Muito bonita
no verão. Pacífica também, embora não apreciasse naquele momento. Em Arilinn,
eu senti mais saudades de lá do que do castelo aqui. Ainda, - ele suspirou,
enquanto a onda de saudade passava, - Hali é um lugar como nenhum outro. A não
ser pela rhu fead, onde as coisas sagradas são mantidas. Há muitos
lagos, mas apenas um em Hali.
É o lar adequado para um Hastur de minha linhagem. Lago Azul foi minha
infância, Arilinn uma escola de férias. Agora começa a minha vida real.
Varzil pareceu pensativo. - Espero poder ver o lago. Ouço sobre ele
desde criança, sobre suas estranhas nuvens onde se pode respirar ao invés de
água comum e das criaturas que nadam em suas profundezas. - E não adicionou o
fato de não haver tempo para uma expedição como aquela, não com a chegada de
mais hóspedes e membros de outros ramos do clã Hastur, todos ansiosos em usar a
reunião do feriado para estratagemas políticos, acordos e fofoca.
E depois, veio o pensamento não dito, Eduin
e eu o deixamos livre para voltar a Arilinn.
Carolin não havia pensado em como aquilo devia parecer a Varzil, estar
ali em Hali, um lugar sobre o qual ouvira falar apenas em contos e baladas. Até
uma geração atrás, nenhum Ridenow sonhara em andar livremente em território
Hastur. Ele mesmo estivera tão ocupado com a saúde de seu tio, as notícias de
seu casamento impedido, pondo-se em dia com os assuntos da corte, que tivera
pouco tempo para bancar o anfitrião. Eduin alegremente atendera aonde fora
convidado. Varzil permaneceu quieto nas sombras, nunca atraindo a atenção para
si mesmo ou pedindo quaisquer favores.
Varzil, como se captando seu pensamento, disse rapidamente. - Isso não
importa. Vamos aproveitar esta breve liberdade, até que algum assistente de coridom
chegue para nos puxar de volta.
Carolin, apesar de tudo, ainda estava infectado com a movimentada manhã
e tentando escapar das intrigas e confinamento da corte. Uma idéia chegou até
ele, como muitas das que tivera quando garoto. Havia um estábulo aonde ele era
conhecido. Dinheiro não seria o problema.
Ele sorveu o restante de seu jaco, queimando um pouco a língua.
Pegando a caneca de Varzil, estendeu as duas para o passante mais próximo, uma
jovem garota em um manto puído carregando uma pilha de roupas. O fardo era
grande demais para ela, mas de algum modo ela conseguiu segurá-lo e agarrar as
canecas antes que caíssem. Seus olhos brilharam e Carolin percebeu que, para
ela, a louça de barro representava um tesouro inesperado, bem melhor do que
qualquer um que sua família possuía. Não havia pedintes em Hali, mas nem toda
família era afortunada.
- Vamos! - Rindo, Carolin se direcionou aos estábulos.
Varzil soube imediatamente o que ele pretendia, pois suas mentes estavam
sob leve contato. Ele não objetou ou criou argumentos sobre porque um príncipe
não deveria ir a uma expedição dessas na véspera do Festival de Inverno. Essa
era uma das coisas que tornava Varzil tão agradável de conviver. Varzil era sempre
flexível. Carolin vira sua natureza obstinada naquela manhã aos portões de
Arilinn. Varzil parecia até contente por deixar outros comandarem sua própria
vida...
Ao contrário de Lyondri, Carolin pensou pesaroso, que parecia saber
exatamente qual o dever de cada um e nunca hesitava ao relembrá-los a cada
oportunidade. Varzil estava certo. Seu primo criaria uma enorme confusão. Isso
fazia uma aventura parecer ainda melhor. Eles deviam aproveitar o máximo da
manhã de liberdade.
O homem no comando do estábulo reconheceu Carolin e providenciou dois
cavalos selados. Eram os melhores que tinham para alugar, o que significava que
tinham boca flácida e andar cambaleante, mas não tinham hábitos letais como
sair empinando.
Os cavalos balançavam suas cabeças em ritmo, soprando vapor de suas
narinas. O gelo rachava sob suas ferraduras. Enquanto a cidade caía atrás,
montes intocados de neve se espalhavam nos dois lados da estrada. Pingentes de
gelo pendiam das cercas e formas de folhas congeladas brilhavam nos muros
baixos de pedra. Arbustos delineavam os campos, rijos e sem folhas sob sua
cobertura branca.
Quando estavam a meio caminho de seu destino, ouviram atrás deles o som
de cascos. Mesmo enquanto se virava em sua sela, a mão de Carolin foi
automaticamente para onde sua espada deveria estar presa, ao lado de seu
joelho. Não estava lá. Ele não precisava de uma dentro de seus próprios
aposentos, e havia descido correndo para o pátio e depois saído sem pensar
naquela aventura matutina. Mesmo dentro do vasto território Hastur, aquilo era
extrema falta de cuidado.
Negro em contraste com os campos, um cavaleiro atiçava seu cavalo em sua
direção, ainda longe o bastante para ocultar suas feições. Não vestia cores,
nem o azul e prata de Hastur, nem qualquer outra.
Podíamos fugir dele...
A risada de Varzil afastou o pensamento. - Não precisamos correr deste
cavaleiro!
O cavalo de Carolin dançou sob ele, infectado pela sua própria agitação.
- Como...?
Pergunta estúpida. Aquele era Varzil, que algumas vezes sabia o
que ele estava pensando antes mesmo que ele percebesse. Varzil que tinha
resgatado seu irmão das garras dos homens-gato, apesar de nunca terem
barganhado ou sido feito prisioneiros. Varzil que tocara sua mente pela
primeira vez... e recolocara seu ombro... quando havia perdido totalmente seu
equilíbrio no pomar em Arilinn.
Com um estranho calafrio, Carolin se deu conta de estar mais seguro na
presença de Varzil do que em qualquer outro lugar, mesmo na mais poderosa
fortaleza.
- Lorde Carolin! - a voz vacilou ao longo da estrada.
- Orain!
Carolin reconheceu o cavalo daquele mesmo estábulo, um cinzento cheio de
moscas de andar duro e temperamento desagradável. Orain pegara pesado com ele.
Arfava pesadamente e linhas negras de suor listravam seu couro. O próprio Orain
não parecia melhor, sua face angular firme, olhos sombrios. Carolin percebeu
que estava armado.
- O que está fazendo aqui? - Carolin perguntou.
Orain se enraiveceu. - O que você está fazendo aqui?
- Obviamente, estávamos a caminho do lago. Lyondri o mandou para me
espionar?
Varzil hesitou à reação de Orain. - Carlo, Orain não podia saber onde
estávamos indo, apenas que deixamos o castelo sem uma escolta apropriada. O que
mais ele poderia fazer?
Carolin sentiu-se embaraçado. Amor, não a conspiração da corte, havia
enviado Orain atrás dele. Era cruel zombar de tal lealdade.
- Sinto muito, - disse a Orain, - é apenas diversão, como quando éramos
garotos. Nunca pretendi causar nenhuma preocupação, muito menos a você.
- Não somos mais crianças, - Orain disse com firmeza.
É exatamente o que Maura disse.
O cavalo de Carolin remexeu-se sob ele, captando a onda de emoção. Ele
quisera apenas estender as férias um pouco mais antes de assumir o manto dos
Hasturs, esperando até a hora de tornar-se Rei. Em Arilinn, tinha sido fácil
esquecer, ser simplesmente Carolin.
- Já que veio até aqui, - Carolin disse, espantando o mau humor, - vamos
todos juntos. Sua espada e os raios de Varzil será proteção mais do que
suficiente! - Ele virou seu cavalo em direção ao lago e bateu-lhe com os
calcanhares, sem esperar por uma resposta.
- Meus o quê? - Varzil gritou, chutando seu cavalo relutante para
manter o passo.
- Você não pode lançar relâmpagos das pontas dos dedos? Pensei que todo leronyn
podia fazer isso! - Carolin riu disfarçadamente à expressão ultrajada de
Varzil.
Ocorreu-lhe depois, muito depois, que aquilo não era algo com o que se
brincar.
Continua...
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