sexta-feira, 20 de agosto de 2010

A Matriz de Sombra - 3

Marion Zimmer Bradley

Tradução: Ariane Pierini e André Henrique Pereira


...

Fez-se silêncio, exceto pelo crepitar do fogo e o uivo do vento lá fora. Mikhail sentiu um vento forte soprando no chão, vindo da porta atrás dele, e torceu os dedos nas botas. Esperava que isso não demorasse muito. O quarto velho que ele e Dyan dividiam ao menos era quente, e ele queria voltar para lá e ir para a cama!
− Dêem as mãos, por favor, − disse Priscilla, interrompendo seus pensa-mentos.
Dyan sobressaltou-se, depois deslizou sua mão na mão direita de Mikhail, relutante. Ele estendeu a mão livre relutantemente, e Ysaba a segurou. Mikhail sentiu Priscilla pegar a sua mão esquerda, e colocar a outra na da médium. Estava surpreendentemente quente e macia.
− Vocês não devem romper o círculo − disse a médium calmamente.
Por que eu deixei você me convencer a participar disso, Mik?
Nós não poderíamos recusar o convite de Priscilla, poderíamos?
Se algum de nós tivesse um mínimo de coragem, poderíamos sim!
Mikhail sentiu o homem mais jovem quase se contorcer em consternação. Apesar de estar um pouco tenso, ele não partilhava das emoções de Dyan, pois a sua curiosidade sempre intensa estava agora completamente interessada. Que história incrível isso ia dar!
Soou um gemido, e após um instante Mikhail notou que não fora o vento, mas a médium. Era um som muito estranho, que ele mal podia acreditar que viesse de um corpo humano. O aroma forte e acre vindo da lareira pareceu ficar mais intenso e ele sentiu um repentino ímpeto de espirrar. Franziu o nariz e tratou de reprimir o reflexo.
O globo no centro da mesa começou a escurecer, como se fosse preenchido de fumaça. Uma figura começou a se formar, e Mikhail sentiu os cabelos na nuca eriçarem de medo. Parte da sua mente tinha certeza de que era algum tipo peculiar de laran. Mas outra porção estava repleta de lembranças de histórias de fantasmas que ele ouvira na infância.
A figura avolumou-se, e uma coisa pálida e insubstancial pareceu irromper do quartzo. Era uma coisa lânguida, comprida e convoluta, e após um momento pairando no ar, foi na direção da médium. Mikhail ouviu a respiração de Dyan, ruidosa e ofegante, e olhou para ele. O homem mais jovem estava com os olhos cerrados com a maior força, a mão tremendo na de Mikhail. Mesmo com o incenso sufocante, ele podia sentir o cheiro de suor − seu e de Dyan. Ele deu ao amigo o que esperava ser um aperto tranqüilizador, no instante em que o espectro alcançava o peito de Ysaba.
Fez-se silêncio por um momento, e em seguida uma voz emergiu da garganta da médium.
− Quem são esses estranhos? − Era um tenor bastante desagradável.
Mikhail sentiu a mão de Dyan estremecer. Que espécie de fantasma é esse que não sabe quem somos?
Derik − se for ele − nunca nos conheceu.
Oh. Está certo.
O seu tom mental não soava convencido, e Mikhail acedeu, mas ele estava disposto a esperar para ver. Agora que superara o medo inicial, todo o episódio estava se tornando interessante. Ele se perguntou como Ysaba estava produzindo aquela voz.
− Irmão, apresento-lhe Dom Mikhail Hastur, filho de Javanne Hastur e neto de Alanna Elhalyn, e Dom Dyan Ardais, filho de Dyan-Gabriel Ardais. − Ela parecia uma anfitriã de verdade, não alguém que conversava com um espectro, e Mikhail descobriu-se a admirar seu ar calmo.
− Por que eles estão aqui? O que eles querem de mim? − O tom de protesto nas palavras fez Mikhail cerrar os dentes.
− Eles vieram me ver, o que foi muito amável da parte deles, pois temos muito pouca companhia no Castelo de Elhalyn. Não fosse pelas crianças, Ysaba e Burl, eu seria muito solitária.
− Eles são espiões!
− Bobagem! Eles são apenas rapazes! − Priscilla parecia mais animada enquanto respondia do que desde que eles chegaram, como se se divertisse ao discutir com o irmão morto. − Eles brincaram com as crianças e passearam pela propriedade, e se tornaram como se fossem de casa.
− Mande-os embora. Eles me incomodam!
− Derik, eu estou cansada de minha solidão − ela respondeu, impaciente. − É tão bom ter alguém para conversar.
− Mande-os embora! Eles querem me fazer mal.
− Derik... como eles poderiam lhe machucar?
Enquanto a conversa prosseguia, Mikhail deu uma boa olhada em Ysaba na luz bruxuleante. Ele examinou sua garganta, procurando ver se os músculos se moviam quando Derik falava, e descobriu que não se moviam. De onde vinha o som? Será que eles estavam mesmo ouvindo um fantasma?
Então, sobre a cabeça da médium, Mikhail viu algo pairando no ar. Era uma moção insubstancial, como um rolo de fumaça, e ele mal podia discernir as características de um homem. O lugar parecia mais frio, e enquanto ele observava, a insubstância avolumou-se, ficando nebulosa, de modo que a parede atrás de Ysaba já não era mais visível.
− Dyan Ardais não era meu amigo − a coisa disse. − Eles são todos meus inimigos, irmã, todos eles. Você é minha única amiga. E tenho algo a lhe dizer!

− Havia um tom conspiratório nas palavras, e Mikhail sentiu alguma coisa nelas que parecia tão animadora quanto consternadora.
− Mas Derik... você precisa me contar. Tenho esperado há meses!

− Há um complô contra mim.

continua...

Um comentário: