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segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Shadow Matrix - 6

Autor: Marion Zimmer Bradley
Tradução: Andre Henrique Pereira e Ariane Pierini

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Mikhail refletiu sobre seu mais recente encontro com Regis, antes de partir. O tio parecia cansado e perturbado, e ele sentiu-se muito constrangido por solicitar o tempo e a atenção de Regis. A Regência de Elhalyn era uma preocupação menor comparada à restauração do Conselho, o problema da herança contestada do Domínio de Alton, ou a possibilidade dos Aldarans retornarem à sociedade Comyn.
O encanto Hastur, do qual Regis possuía uma quantidade incomum, estava ausente. Mikhail fez as perguntas de que ele desejava − sentia que precisava − obter as respostas, e recebeu retornos menos que satisfatórios. Seu tio não oferecera nenhuma pista sobre o que tencionava fazer, e, em retrospecto, Mikhail percebia que não se mostrara muito apoiador ou mesmo atencioso. “Você dará conta, Mikhail. Eu tenho certeza. Conversaremos melhor quando voltar para o solstício de inverno. Preocupe-se em testar os rapazes. Não há urgência”.
Mikhail ficara com a sensação que o que lhe ordenavam que fizesse não importava muito − e pior, que ele também não importava muito. Fazia com que se sentisse exilado, da forma que sentira depois que o filho de Regis, Danilo, nascera, indesejado e incômodo. Intelectualmente, ele tinha certeza de que não era esse o caso − na época ou agora − mas era honesto o suficiente consigo mesmo para admitir que seus sentimentos estavam mais do que um pouco feridos.
O problema, como ele o via, era que Regis parecia estar querendo dobrar o tempo, ao afirmar que a restauração do reinado de Elhalyn era necessária, assim como a restauração do Conselho Comyn. Ao mesmo tempo, Regis insistia que esses movimentos não eram reacionários, mas nos melhores interesses do futuro. Soara plausível até que Mikhail analisara com atenção.
Nem por um momento passava pela sua cabeça que Regis não tinha algum plano, algum esquema em mente. A única informação que conseguiu extrair do tio era sua convicção de que Darkover precisava se tornar verdadeiramente unido − que os Aldarans precisavam fazer parte do Conselho Comyn − e logo.
Como os outros Domínios desconfiavam dos Aldarans, Regis estava tendo muita dificuldade para convencer os outros membros do Conselho Comyn a concordar com o pouco que ele revelara de seu plano. Os pais de Mikhail se opuseram à idéia, assim como Dama Marilla e seu filho Dyan Ardais. Dom Francisco Ridenow parecia mudar de idéias a cada dia, e apenas Lew Alton apoiou totalmente a idéia.
Mikhail, ao contrário dos pais, não tinha reservas quanto aos Aldarans. Visitara-os anos atrás, sem o conhecimento dos dois, e conhecera o velho Dom Damon, seu filho e herdeiro, Robert, e o gêmeo de Robert, Hermes Aldaran, que recentemente assumira o cargo de Lew Alton como representante de Darkover no Senado Terráqueo. E conhecera Gisela Aldaran, a irmã deles, que era uma moça encantadora na época. Gostara dos Aldarans, e sabia perfeitamente bem que eles não possuíam chifres e caudas.
Mas o preconceito contra a família era antigo e profundo. Darkovanos tinham uma excelente memória, principalmente no que se referia à traição, e os Aldarans haviam traído o Conselho anos atrás. Era fácil para Regis dizer que o passado precisava ser esquecido, que era hora de curar antigas feridas. Ele obviamente não antecipara a resistência ferrenha que encontrara às suas propostas.
Mikhail não tinha certeza que mesmo seu tio conseguiria acertar as coisas, apesar de todos os seus poderes de persuasão. Quanto mais Regis pressionava, mais se opunham a ele, especialmente a mãe de Mikhail, Javanne Hastur. De muitas formas, o comportamento de sua mãe desde a assembléia na Câmara de Cristal tem sido ainda mais exasperador que o de Regis. Ela sempre foi uma mulher obstinada, mas o anúncio de sua Regência despertara nela uma fúria ferrenha que ele não conseguia compreender. Ela não era mais a mãe que ele conhecia, mas uma estranha fria e distante. Havia momentos em que especulava se ela estava totalmente sã. Sua mãe era uma Elhalyn, afinal de contas, e eles eram conhecidos pela instabilidade. Não acalentou essa terrível idéia por muito tempo, porque, como Regis Hastur era seu irmão, poderia acabar duvidando do tio pelas mesmas razões. Esse pensamento era intolerável.
O vento espalhou na estrada folhas que tinham uma cor idêntica ao cabelo vermelho de Marguerida. Mikhail concluiu que era melhor sonhar com a amada do que tentar desembaraçar mais assuntos preocupantes.
A separação deles na Torre Arilinn, cinco dias atrás, havia sido penosa, embora os dois tentassem exibir uma expressão de bravura. Ela recuara para a distância particular em que ele agora sabia que Marguerida se refugiava quando estava descontente. Não falaram de amor, por que isso teria sido muito doloroso. Conversaram assuntos triviais, usando o irrelevante para ocultar sentimentos que ameaçavam subjugar a ambos.
Mikhail e Marguerida haviam ido para Arilinn logo após o solstício de verão, Marguerida para dar início aos seus estudos na ciência de matriz, e Mikhail para aprender o que precisava saber a fim de testar os garotos Elhalyn pelo laran, o que se mostrara mais complicado do que imaginara. Era um pouco irônico, ele refletiu, que Marguerida estivesse tentando aprender a ciência de matriz, quando, em certo sentido, os próprios cristais eram um anátema para ela. Suas primeiras semanas ali haviam causado outro ataque da doença do limiar, resultado da proximidade dos transmissores de matriz na Torre. Esta, pelo menos, fora a única explicação que puderam oferecer.
Para o aborrecimento de Mestra Camilla MacRoss, encarregada dos estudantes iniciantes em Arilinn, Marguerida recebera permissão para viver em uma das diversas casinhas mantidas para visitantes, convidados e familiares daqueles que vinham para a Torre curar-se, no luar de ir dormir nos dormitórios com os outros. Era uma coisa sem precedentes, e dificultara ainda mais a situação de Marguerida. Mestra MacRoss não gostava que seus comandados recebessem trata-mento especial, a menos que ela o conferisse.
Sorriu um pouco à lembrança, pois conhecia Mestra Camilla de seus próprios dias em Arilinn, anos atrás. Ela já era velha na época, e agora era uma anciã. Ninguém, nem mesmo Jeff Kerwin, o Guardião de Arilinn, se atrevia a sugerir que ela poderia considerar aposentar-se de seu cargo. Ela era muito rigorosa e rígida, o que era de se esperar, uma vez que as pessoas sob seu comando eram quase sempre jovens, adolescentes desenvolvendo seu laran, cheios de vitalidade, malícia e por vezes poderes que não tinham sob total controle.


continua....

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Shadow Matrix - 5

Autor: Marion Zimmer Bradley
Tradução: Ariane Pierini e Andre Henrique Pereira
PARTE UM




1



Mikhail Lanart-Hastur cavalgava na margem do rio Valeron, desfrutando do aprazível dia de outono. A brisa ondulava os cabelos dourados na sua fronte, e seus olhos azuis refletiam a cor da água. O ar estava fresco e as árvores na margem, coloridas em dourado e castanho, lembravam-no dos olhos ardorosos da sua prima Marguerida Alton. É verdade que quase tudo o lembrava dela e, para ser honesto, era difícil não pensar nela ao invés de se concentrar na tarefa a sua frente.
Estava retornando às terras de Elhalyn que visitara brevemente quatro anos atrás. Na época ele era paxman de Dyan Ardais e o herdeiro intitulado de Regis Hastur − coisa que ainda era. Agora, havia sido nomeado Regente do Domínio de Elhalyn, encarregado de testar os filhos de Priscilla Elhalyn a fim de deter-minar se algum deles era mentalmente estável o suficiente para ocupar a muito cerimoniosa, porém importante, tarefa de ser rei.
Mikhail relembrou o seu último encontro com Priscilla, que terminara numa sessão, e sacudiu a cabeça. Especulava se Durl, o leitor de ossos, e Ysaba, a médium, ainda eram companheiros da mulher. Soube que os Elhalyns haviam deixado o castelo pouco tempo depois que ele e Dyan estiveram lá, e se mudado para a Casa Halyn. Era para onde estava indo, acompanhado de dois Guardas, Daryll e Mathias. Devia ter providenciado uma comitiva maior − a sua nova e inadvertida posição o exigia. Priscilla desejara que Mikhail fosse sozinho, mas devido à ansiedade de seu tio em restaurar o reinado de Elhalyn, isso estava fo-ra de questão. Regis enviara os Guardas, e Mikhail apreciava a companhia deles.
Sempre que Mikhail pensava a respeito da assembléia na Câmara de Cristal no Castelo Comyn antes do solstício de verão, perdia o bom humor. Ele revisara os acontecimentos repetidamente, tentando desvendá-los. Primeiro seu tio Regis anunciou que estava dissolvendo o Conselho Telepático, que auxiliara no governo de Darkover por mais de duas décadas, a fim de restaurar o Conselho Comyn tradicional. Depois, sem avisar ou consultar ninguém, nomeou Mikhail Regente de Elhalyn, e Mikhail aceitara o cargo por um senso de dever. Ele não tivera tempo para ponderar, pesar as vantagens ou considerar as ramificações. Para ser honesto, não tivera escolha senão aceitar.
A raiva que fervilhara dentro dele durante meses rodopiou em seu estômago. Mikhail nunca tivera razão para se enraivecer com o tio até agora, e detestava sentir-se assim. Mas não podia negar o fato de que Regis o manipulara em direção a uma posição que não desejava, por razões que ele se recusara a explicar. Somente seu profundo senso de dever fez com que se submetesse, cerrando os dentes de frustração. Havia algo acontecendo que Mikhail não conseguia entender. Seu único consolo era que não era o único que se sentia assim − ninguém, a não ser talvez Danilo Syrtis-Ardais, sabia o que Regis fazia no momento.
Mikhail sabia que seu tio era um homem perspicaz e astucioso, que conseguira governar Darkover durante um terrível período em sua longa e sangrenta história. Sempre confiara em Regis, mas agora a confiança se achava assediada por suas emoções, assim como dúvidas. Mikhail analisou o problema o máximo possível, e descobriu contradições o suficiente para preocupá-lo. Até mesmo se perguntara se Regis Hastur sabia o que estava fazendo − só um instante, antes de sufocar o pensamento e bani-lo para o fundo de sua mente.
continua...

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Shadow Matriz - 4

Autor: Marion Zimmer Bradley
Tradução: André Henrique pereira e Ariane Pierini

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− Há um complô contra mim. Não são esses homens, mas... outros. E esses garotos contarão tudo... tudo será arruinado! Eles tentarão nos impedir de... − A voz definhou.
Priscilla ponderou as palavras por um momento, espreitando Mikhail e Dyan com seus olhos cinzentos. Suas sobrancelhas se franziram por um momento, depois ela relaxou.
− Mikhail, prometa a Derik que nunca falará disso com ninguém. − Ela parecia acostumada aos temores do irmão, e soava como se mimasse uma criança emburrada. Ao mesmo tempo, havia uma aspereza no seu tom que não soava muito fraternal aos seus ouvidos.
Mikhail ponderou. Sempre tomara sua palavra seriamente, e não queria se comprometer com um juramento caso não pretendesse mantê-lo. Ele compreendeu que, se mencionasse o incidente a quem quer que fosse, o considerariam tão louco quanto Derik. Ninguém sabia que ele e Dyan tinham vindo ao Castelo de Elhalyn, de modo que não seria difícil. E ele estava curioso o bastante sobre o que o fantasma poderia dizer para fazer a promessa.
− Eu juro nunca falar disso com ninguém.
Ao seu lado, Dyan mexeu-se na cadeira.
− Eu juro nunca mencionar nada para ninguém. − Sua voz era veemente, e Mikhail sabia que ele queria dizer: Vou esquecer disso tão rápido quanto puder!
− Está vendo? − Priscilla indagou, parecendo satisfeita.
− Juramentos podem ser quebrados.
− Por que eles o fariam? Eles não lhe querem mal algum, irmão.
Fez-se um silêncio prolongado, e a figura nebulosa sobre a médium serpenteou no ar, deslocando-se e mudando sutilmente. O efeito era deslumbrante. Depois, sem nenhum aviso, a figura precipitou-se sobre eles, deixando longos rastros de fumaça. Mikhail sentiu uma bruma roçar sua fronte e se encolheu, o coração disparado contra as costelas. Ao seu lado, Dyan soltou um uivo de puro pavor, e apertou sua mão tão forte que quase quebrou os dedos de Mikhail.
Terminou rapidamente, e a bruma retrocedeu, mas Mikhail descobriu-se ofegante, e que apesar do frio da câmara encontrava-se ensopado de suor. Suas pernas tremiam debaixo da mesa.
− Os corações deles parecem bons − o espírito admitiu de má vontade.
− É lógico que seus corações são bons. Eles são meninos muito doces.
Apesar do pavor, Mikhail quase riu por ser chamado de menino. Priscilla era talvez onze anos mais velha que ele, mas se comportava como uma anciã na maior parte do tempo. Ele sugou as bochechas e engoliu a risada que ameaçava explodir de sua boca. Sempre tivera tendência a rir quando estava amedrontado ou alarmado, e sua mãe às vezes dizia que ele provavelmente riria a caminho da forca.
Lentamente, o medo passou, e com ele o ímpeto de rir. Mikhail engoliu em seco, desejando um copo de vinho. Se tudo que o fantasma podia fazer era envolvê-lo em bruma, realmente não havia nada a temer. E era uma pena que dera a sua palavra de nunca falar do acontecido, por que daria uma boa história.
Mikhail estava tão absorto em seus pensamentos que quase perdeu as palavras seguintes de Derik.
− O Protetor a aguarda. Chegou a hora!
− Finalmente! − Priscilla parecia radiante, mesmo à luz precária do fogo. O seu rosto claro estava ardente de alegria, e ela parecia mais uma menina do que uma mulher com cinco filhos. Mas também havia algo nocivo na sua reação, e Mikhail baixou os olhos rapidamente. Protetor? O que era isso?
− Logo estaremos juntos outra vez, irmão − ela sussurrou apenas alto o suficiente para que Mikhail ouvisse.
Apesar da sua tremenda curiosidade, ele decidiu que não queria saber nada mais do que já sabia. Estarem juntos? Priscilla planejava morrer? Não era o que parecia. Então ele mexeu os ombros, para aliviar a tensão e dissipar a sensação de embaraço. Havia tropeçado em algo que não era da sua conta, e quanto mais cedo saísse dessa, melhor.
A forma bruxuleante sobre a médium começou a dissipar, e o globo na mesa tornou a obscurecer. As mãos de Ysaba abriram, liberando os outros, e ela arriou para frente, sobre a mesa. Sua cabeça bateu contra a superfície brilhante com um baque audível, e ele se contraiu em empatia.
Duncan, que permanecera nas sombras até esse instante, deu um passo adiante. Ele portava um copo de vinho numa mão, e ergueu a mulher pelo ombro, pressionando o copo contra os seus lábios. Então os olhos dele encontraram os de Mikhail, e havia uma expressão de vergonha e aversão neles. A boca da médium abriu um pouco, e um pouco de vinho escorreu para dentro, embora mais derramasse no seu queixo.
Com o canto do olho Mikhail notou Dyan limpar nas calças a mão que Ysaba segurara. O seu rosto jovem estava contorcido de aversão, e Mikhail sentiu uma pontada de culpa. Nunca deveria ter trazido o amigo para o Castelo de Elhalyn.
Mik, eu me sinto sujo! Nunca quero passar por algo assim de novo! Vamos embora assim que o sol raiar... por favor! Esse lugar é horrível!
Creio que você tem razão. Mas eu me pergunto o que seria esse “Protetor”?
Eu não ligo se for o próprio Aldones... só quero dar o fora daqui!
Mikhail concordou silenciosamente com a opinião de Dyan. Na manhã seguinte, apesar da chuva, eles cavalgaram de volta para Thendara. Não falaram do estranho acontecimento, como se por um acordo tácito, na ocasião ou depois. Mas, de vez em quando, Mikhail pensava a respeito, e especulava se tinha mesmo ouvido a voz do fantasma de Derik Elhalyn, e se perguntava quem poderia ser o Protetor.

continua....

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

A Matriz de Sombra - 3

Marion Zimmer Bradley

Tradução: Ariane Pierini e André Henrique Pereira


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Fez-se silêncio, exceto pelo crepitar do fogo e o uivo do vento lá fora. Mikhail sentiu um vento forte soprando no chão, vindo da porta atrás dele, e torceu os dedos nas botas. Esperava que isso não demorasse muito. O quarto velho que ele e Dyan dividiam ao menos era quente, e ele queria voltar para lá e ir para a cama!
− Dêem as mãos, por favor, − disse Priscilla, interrompendo seus pensa-mentos.
Dyan sobressaltou-se, depois deslizou sua mão na mão direita de Mikhail, relutante. Ele estendeu a mão livre relutantemente, e Ysaba a segurou. Mikhail sentiu Priscilla pegar a sua mão esquerda, e colocar a outra na da médium. Estava surpreendentemente quente e macia.
− Vocês não devem romper o círculo − disse a médium calmamente.
Por que eu deixei você me convencer a participar disso, Mik?
Nós não poderíamos recusar o convite de Priscilla, poderíamos?
Se algum de nós tivesse um mínimo de coragem, poderíamos sim!
Mikhail sentiu o homem mais jovem quase se contorcer em consternação. Apesar de estar um pouco tenso, ele não partilhava das emoções de Dyan, pois a sua curiosidade sempre intensa estava agora completamente interessada. Que história incrível isso ia dar!
Soou um gemido, e após um instante Mikhail notou que não fora o vento, mas a médium. Era um som muito estranho, que ele mal podia acreditar que viesse de um corpo humano. O aroma forte e acre vindo da lareira pareceu ficar mais intenso e ele sentiu um repentino ímpeto de espirrar. Franziu o nariz e tratou de reprimir o reflexo.
O globo no centro da mesa começou a escurecer, como se fosse preenchido de fumaça. Uma figura começou a se formar, e Mikhail sentiu os cabelos na nuca eriçarem de medo. Parte da sua mente tinha certeza de que era algum tipo peculiar de laran. Mas outra porção estava repleta de lembranças de histórias de fantasmas que ele ouvira na infância.
A figura avolumou-se, e uma coisa pálida e insubstancial pareceu irromper do quartzo. Era uma coisa lânguida, comprida e convoluta, e após um momento pairando no ar, foi na direção da médium. Mikhail ouviu a respiração de Dyan, ruidosa e ofegante, e olhou para ele. O homem mais jovem estava com os olhos cerrados com a maior força, a mão tremendo na de Mikhail. Mesmo com o incenso sufocante, ele podia sentir o cheiro de suor − seu e de Dyan. Ele deu ao amigo o que esperava ser um aperto tranqüilizador, no instante em que o espectro alcançava o peito de Ysaba.
Fez-se silêncio por um momento, e em seguida uma voz emergiu da garganta da médium.
− Quem são esses estranhos? − Era um tenor bastante desagradável.
Mikhail sentiu a mão de Dyan estremecer. Que espécie de fantasma é esse que não sabe quem somos?
Derik − se for ele − nunca nos conheceu.
Oh. Está certo.
O seu tom mental não soava convencido, e Mikhail acedeu, mas ele estava disposto a esperar para ver. Agora que superara o medo inicial, todo o episódio estava se tornando interessante. Ele se perguntou como Ysaba estava produzindo aquela voz.
− Irmão, apresento-lhe Dom Mikhail Hastur, filho de Javanne Hastur e neto de Alanna Elhalyn, e Dom Dyan Ardais, filho de Dyan-Gabriel Ardais. − Ela parecia uma anfitriã de verdade, não alguém que conversava com um espectro, e Mikhail descobriu-se a admirar seu ar calmo.
− Por que eles estão aqui? O que eles querem de mim? − O tom de protesto nas palavras fez Mikhail cerrar os dentes.
− Eles vieram me ver, o que foi muito amável da parte deles, pois temos muito pouca companhia no Castelo de Elhalyn. Não fosse pelas crianças, Ysaba e Burl, eu seria muito solitária.
− Eles são espiões!
− Bobagem! Eles são apenas rapazes! − Priscilla parecia mais animada enquanto respondia do que desde que eles chegaram, como se se divertisse ao discutir com o irmão morto. − Eles brincaram com as crianças e passearam pela propriedade, e se tornaram como se fossem de casa.
− Mande-os embora. Eles me incomodam!
− Derik, eu estou cansada de minha solidão − ela respondeu, impaciente. − É tão bom ter alguém para conversar.
− Mande-os embora! Eles querem me fazer mal.
− Derik... como eles poderiam lhe machucar?
Enquanto a conversa prosseguia, Mikhail deu uma boa olhada em Ysaba na luz bruxuleante. Ele examinou sua garganta, procurando ver se os músculos se moviam quando Derik falava, e descobriu que não se moviam. De onde vinha o som? Será que eles estavam mesmo ouvindo um fantasma?
Então, sobre a cabeça da médium, Mikhail viu algo pairando no ar. Era uma moção insubstancial, como um rolo de fumaça, e ele mal podia discernir as características de um homem. O lugar parecia mais frio, e enquanto ele observava, a insubstância avolumou-se, ficando nebulosa, de modo que a parede atrás de Ysaba já não era mais visível.
− Dyan Ardais não era meu amigo − a coisa disse. − Eles são todos meus inimigos, irmã, todos eles. Você é minha única amiga. E tenho algo a lhe dizer!

− Havia um tom conspiratório nas palavras, e Mikhail sentiu alguma coisa nelas que parecia tão animadora quanto consternadora.
− Mas Derik... você precisa me contar. Tenho esperado há meses!

− Há um complô contra mim.

continua...

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

A Matriz de Sombra - 2

Marion Zimmer Bradley
Tradução: Ariane Pierini e Andre Henrique Pereira

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Na realidade, essa era a corte mais peculiar que Mikhail já vira. Priscilla vivera aqui, sozinha exceto por seus filhos e alguns servos, durante os anos desde a Rebelião de Sharra e os infelizes eventos que mataram ou enlouqueceram tantos membros do Comyn. Ela parecia perfeitamente feliz em sua solidão, meio desatenta às vezes, mas evidentemente não louca como fora seu irmão. Ele sabia que os Elhalyns freqüentemente demonstravam-se desequilibrados.
Mikhail tinha uma boa quantidade de perguntas que não poderia fazer sem ser grosseiro, e a ascendência dos cinco filhos de Priscilla não era a menor delas. Havia Alain, que tinha quase quinze anos, Vincent, de treze, e Emun de dez, bem como as duas filhas, Miralys e Valenta, meninas tímidas de nove e oito anos. Priscilla nunca se casara, e qualquer amante que tivesse tomado nesses anos todos permanecia anônimo e incógnito. Como as mulheres Elhalyn possuíam o status de comynara, desfrutavam de uma liberdade de escolha não concedida à maioria das mulheres, mas ele ainda achava a situação bastante inquietante. Nunca se considerara conservador, mas ainda assim sentia-se incomodado com o estilo de vida desregrado da mulher.
Duncan os levou através de uma passagem estreita, que conectava a porção principal do castelo a um calabouço estreito, o vestígio de uma época remota da história darkovana, quando as famílias proprietárias de terras travavam terríveis guerras umas com as outras. Recendia a antiguidade, a velhas pedras e os ossos da terra por baixo, e ele procurou desfazer-se da sensação de opressão que isso lhe causava.
Enfim, Duncan abriu uma pesada porta de madeira, e uma lufada de ar frio soprou. Neste instante outro trovão ribombou e o teto do corredor estremeceu, despejando uma fina chuva de madeira podre e lascas de cal sobre as mangas da sua túnica. Dyan soltou um som de aborrecimento e passou dedos nervosos no cabelo, limpando a sujeira.
Acompanharam Duncan até uma câmara redonda, que seria quase aconchegante, se não estivesse tão fria. Existia uma pequena lareira acesa, exalando um perfume de madeira de bálsamo, mas que não chegava a aquecer o lugar. As paredes de pedra estavam úmidas e dava para perceber manchas de mofo nas suas faces, e o agradável perfume de madeira mal ocultava o cheiro. Algumas velas crepitavam sobre uma mesa no centro da câmara, formando sombras horripilantes nas paredes e nas tapeçarias puídas penduradas.
Mikhail tentou imaginar a câmara como era no passado, com Elhalyn mortos há muito tempo se abrigando ali, sob o sítio dos seus inimigos. Mas o lugar era muito velho, muito frio, e muito sombrio para qualquer idéia romântica; era só uma relíquia de outra época, que ele ficava feliz que terminara.
Priscilla e sua médium, Ysaba, entraram, interrompendo a sua abstração. A pequena mulher Elhalyn parecia mais excitada do que Mikhail já a tinha visto antes, seus olhos dourados cintilando na luz tremeluzente. Ela parecia ansiosa, como se esperasse que algo extraordinário acontecesse. Seu cabelo era da cor do damasco, e sua pele parecia quase dourada na luz. Ninguém a consideraria uma beldade, mas ela parecia linda em seu entusiasmo indissimulado.
− Por favor, sentem-se à mesa − ela convidou, gesticulando graciosamente.
Ciente de seus modos, Mikhail puxou uma cadeira para Priscilla, e viu Dyan prestar o mesmo favor à médium, com um desagrado aparente. Tomaram os assentos restantes, e ele se perguntou onde Burl, o leitor de ossos, se encontrava.
A mesa fora polida recentemente, e brilhava na luz dourada, o perfume de cera ascendendo agradavelmente debaixo dos seus antebraços. Mikhail voltou a atenção para um grande globo de quartzo depositado no centro da mesa. Emitia um débil brilho azulado, embora não fosse o azul intenso de um cristal de matriz. Com o canto do olho viu Duncan atirar algo na lareira, e houve um breve chamejar quando começou a queimar. Um perfume forte de flores começou a preencher a sala, parecido com os incensos que sua irmã Liriel utilizava, mas mais forte e não tão agradável. Fez seus olhos coçarem, e seus dedos começaram a parecer meio dormentes.
Ysaba fitou o interior do globo, seus olhos pálidos vazios. Era uma mulher ordinária, com o cabelo muito claro dos habitantes das Cidades Secas, e ele não tinha certeza da sua idade. Soou um trovão, e um relâmpago fulgurou através das janelas altas e estreitas, cegando-o por um momento. O vento fustigava as paredes do velho calabouço, mas a estrutura mal estremecia sob a fúria da tempestade.

continua...

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Trecho Traduzido de The Shadow Matrix - 1



Marion Zimmer Bradley
A Matriz de Sombra


Tradução: Ariane Pierini e
André Henrique Pereira




Prólogo


− Diga outra vez por que viemos visitar Priscila Elhalyn − murmurou Dyan Ardais, descendo a escada na frente de Mikhail. − E por que concordamos em participar dessa... coisa?
Mikhail Lanart-Hastur olhou para seu amigo, seus cabelos escuros e a pele clara na luz bruxuleante dos lampiões, e fez menção de responder. Um relâmpago iluminou o tapete puído sob seus pés, ao mesmo tempo em que o estrondo de um trovão agitava as paredes do Castelo de Elhalyn. A chuva fustigava as vidraças das janelas.
− Estávamos meio bêbados na ocasião − disse, quando o barulho diminuiu. − E havia todas aquelas garotas em Thendara, se embelezando para a gente.
− Só que não estamos bêbados agora, e ir a uma sessão não é a minha idéia de diversão!
− Como sabe? A quantas sessões você já foi?
− Nenhuma! Acho que falar com gente morta, ou tentar fazê-lo, é uma idéia sórdida.
Mikhail riu, jovial. O jovem Dyan Ardais, a quem servia como paxman, era um homem bastante nervoso de dezoito anos.
− Qual é o problema? Está com medo de que a médium de Priscilla conjure o seu pai?
− Deuses! Eu nem mesmo havia pensado nisso! Nunca o conheci quando estava vivo, e não tenho a menor vontade de conhecê-lo agora!
Mikhail teve muitos dias para se arrepender do impulso que os trouxera ao decadente Castelo de Elhalyn. Sabia que já tinha idade para não fazer essas coisas, e que Dyan era responsabilidade sua. Se ao menos não estivessem tão entediados, e tão inclinados a fazer o indevido. Ora, não havia remédio. Eram os hóspedes de Priscilla Elhalyn, irmã de Derik Elhalyn, o último rei de Darkover, e, de qualquer modo, não poderiam montar nos cavalos e cavalgar na tempestade.
− O mais provável é que será um completo fiasco, Dyan, e que eles não invocarão o fantasma de Derik Elhalyn do mundo superior. Nem o do pai dela, ou o da minha avó, Alanna Elhalyn. Embora eu não me incomodasse em vê-la; ela morreu há muito tempo, e sempre tive alguma curiosidade a seu respeito. Aposto que nem mesmo vamos ter uma boa história para contar quando voltarmos.
− Por mim, isso seria ótimo. − Dyan soava menos irritado, apaziguado pelo bom humor de Mikhail. − Até agora tem sido um tédio só... a menos que você leve em conta conhecer aqueles criados dela. Eu nunca soube de ninguém que hospedasse leitores de ossos e médiuns antes.
− Os Elhalyn sempre foram um bocado excêntricos.
− O que quer dizer é que Priscilla é só um pouquinho menos louca do que seu irmão insano, não é verdade? Aquele tal Burl me dá arrepios, e eu tenho certeza de que é por causa dele que temos de participar dessa invocação de fantasmas.
Mikhail riu outra vez, mas ele partilhava da opinião de Dyan a respeito do leitor de ossos. Tal atividade podia ser encontrada nos mercados de qualquer cidade de Darkover, mas não era comum no lar de uma comynara. Mas ele sabia que tentar ver o futuro era um desejo perfeitamente humano, e desconfiava que Burl simplesmente possuía um pequeno talento, um laran parecido com o Dom de Aldaran da presciência.
A outra confidente de Priscilla, a mulher Ysaba, era, na sua opinião, a mais estranha dos dois. Mikhail já havia conhecido leitores de ossos e outros adivinhos antes, mas uma médium ultrapassava a sua experiência. Sentiu que ela possuía laran, mas de um tipo com que ele nunca se deparara antes, e desconfiou que a mulher nunca treinara em uma Torre. Desejava poder indagar diretamente a ela, mas isso teria sido muito grosseiro.
Os dois jovens atravessaram um corredor empoeirado e encontraram Duncan MacLeod, que cuidava dos estábulos, embora trabalhasse também como coridom. Tratava-se de um homem grisalho, o rosto enrugado, os olhos desconfiados. Entretanto, os estábulos se encontravam em bom estado − melhor do que o próprio castelo, que decaíra sob a administração descuidada de Priscilla. O séqüito de Priscilla era composto por idosos, e contava com poucas pessoas. Não havia criadas jovens para arrumar os quartos e nenhum rapaz aprendendo a cuidar dos estábulos, o que também era estarrecedor. O Castelo de Elhalyn encontrava-se quase às moscas, com uma atmosfera inquietante de desolação.
Continua...