sexta-feira, 6 de agosto de 2010

A Matriz de Sombra - 2

Marion Zimmer Bradley
Tradução: Ariane Pierini e Andre Henrique Pereira

...
Na realidade, essa era a corte mais peculiar que Mikhail já vira. Priscilla vivera aqui, sozinha exceto por seus filhos e alguns servos, durante os anos desde a Rebelião de Sharra e os infelizes eventos que mataram ou enlouqueceram tantos membros do Comyn. Ela parecia perfeitamente feliz em sua solidão, meio desatenta às vezes, mas evidentemente não louca como fora seu irmão. Ele sabia que os Elhalyns freqüentemente demonstravam-se desequilibrados.
Mikhail tinha uma boa quantidade de perguntas que não poderia fazer sem ser grosseiro, e a ascendência dos cinco filhos de Priscilla não era a menor delas. Havia Alain, que tinha quase quinze anos, Vincent, de treze, e Emun de dez, bem como as duas filhas, Miralys e Valenta, meninas tímidas de nove e oito anos. Priscilla nunca se casara, e qualquer amante que tivesse tomado nesses anos todos permanecia anônimo e incógnito. Como as mulheres Elhalyn possuíam o status de comynara, desfrutavam de uma liberdade de escolha não concedida à maioria das mulheres, mas ele ainda achava a situação bastante inquietante. Nunca se considerara conservador, mas ainda assim sentia-se incomodado com o estilo de vida desregrado da mulher.
Duncan os levou através de uma passagem estreita, que conectava a porção principal do castelo a um calabouço estreito, o vestígio de uma época remota da história darkovana, quando as famílias proprietárias de terras travavam terríveis guerras umas com as outras. Recendia a antiguidade, a velhas pedras e os ossos da terra por baixo, e ele procurou desfazer-se da sensação de opressão que isso lhe causava.
Enfim, Duncan abriu uma pesada porta de madeira, e uma lufada de ar frio soprou. Neste instante outro trovão ribombou e o teto do corredor estremeceu, despejando uma fina chuva de madeira podre e lascas de cal sobre as mangas da sua túnica. Dyan soltou um som de aborrecimento e passou dedos nervosos no cabelo, limpando a sujeira.
Acompanharam Duncan até uma câmara redonda, que seria quase aconchegante, se não estivesse tão fria. Existia uma pequena lareira acesa, exalando um perfume de madeira de bálsamo, mas que não chegava a aquecer o lugar. As paredes de pedra estavam úmidas e dava para perceber manchas de mofo nas suas faces, e o agradável perfume de madeira mal ocultava o cheiro. Algumas velas crepitavam sobre uma mesa no centro da câmara, formando sombras horripilantes nas paredes e nas tapeçarias puídas penduradas.
Mikhail tentou imaginar a câmara como era no passado, com Elhalyn mortos há muito tempo se abrigando ali, sob o sítio dos seus inimigos. Mas o lugar era muito velho, muito frio, e muito sombrio para qualquer idéia romântica; era só uma relíquia de outra época, que ele ficava feliz que terminara.
Priscilla e sua médium, Ysaba, entraram, interrompendo a sua abstração. A pequena mulher Elhalyn parecia mais excitada do que Mikhail já a tinha visto antes, seus olhos dourados cintilando na luz tremeluzente. Ela parecia ansiosa, como se esperasse que algo extraordinário acontecesse. Seu cabelo era da cor do damasco, e sua pele parecia quase dourada na luz. Ninguém a consideraria uma beldade, mas ela parecia linda em seu entusiasmo indissimulado.
− Por favor, sentem-se à mesa − ela convidou, gesticulando graciosamente.
Ciente de seus modos, Mikhail puxou uma cadeira para Priscilla, e viu Dyan prestar o mesmo favor à médium, com um desagrado aparente. Tomaram os assentos restantes, e ele se perguntou onde Burl, o leitor de ossos, se encontrava.
A mesa fora polida recentemente, e brilhava na luz dourada, o perfume de cera ascendendo agradavelmente debaixo dos seus antebraços. Mikhail voltou a atenção para um grande globo de quartzo depositado no centro da mesa. Emitia um débil brilho azulado, embora não fosse o azul intenso de um cristal de matriz. Com o canto do olho viu Duncan atirar algo na lareira, e houve um breve chamejar quando começou a queimar. Um perfume forte de flores começou a preencher a sala, parecido com os incensos que sua irmã Liriel utilizava, mas mais forte e não tão agradável. Fez seus olhos coçarem, e seus dedos começaram a parecer meio dormentes.
Ysaba fitou o interior do globo, seus olhos pálidos vazios. Era uma mulher ordinária, com o cabelo muito claro dos habitantes das Cidades Secas, e ele não tinha certeza da sua idade. Soou um trovão, e um relâmpago fulgurou através das janelas altas e estreitas, cegando-o por um momento. O vento fustigava as paredes do velho calabouço, mas a estrutura mal estremecia sob a fúria da tempestade.

continua...

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