Autor: Marion Zimmer Bradley
Tradução: Ariane Pierine
Tradução: Ariane Pierine
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Assim ela foi em frente, sem mudar nada, muitas vezes puxando os froniais quando a vegetação tornava impossível montá-los, sem nenhum sinal externo de magia, a não ser sua capa e seu cajado. O talismã, o Círculo com Três Asas, que levava preso a uma corrente em volta do pescoço, estava escondido embaixo da roupa. Usava as botas mais resistentes que tinha: encantadas contra a chuva e o nevoeiro da estação, e para não se perder na confusão dos caminhos – não que a arquimaga precisasse desse último encantamento, mas lidava com isso desde menina e gostava de manter a forma.
Essa viagem era uma boa oportunidade para refrescar suas lembranças das estradas e caminhos de Ruwenda, pois não os trilhava a pé há muitos anos. Por isso, embora pudesse ter optado por qualquer tipo de comitiva que quisesse, ou qualquer veículo, real ou mágico, ela se absteve da magia na viagem, indo a pé ou levada pelos froniais. Esperava que mesmo assim, sua sobrinha-neta em segundo grau percebesse o sentido mágico daquela viagem.
Seria um bom começo para o aprendizado dela, se a menina tivesse alguma habilidade mágica natural. Pelo que Haramis tinha visto, Mikayla parecia mais dada a tentar analisar exatamente o que o que fazia um encantamento funcionar do que se esforçar para aprender qual a sua sensação. Essa era a menina que aparecia na visão de Haramis como sua sucessora, portanto isso estava resolvido. Não achava possível que Fiolon, sendo homem e um de Var, pudesse ser o sucessor designado.
Sua viagem lenta através dos pântanos levou outros quatro dias e noite, e durante esse tempo Haramis renovou sua familiaridade com a terra de Ruwenda, principalmente com sua parte formada por lama. Aliás, mais do que desejava. Tinha vivido tanto tempo nas montanhas nevadas que já esquecera como era a lama. Podia livrar-se da neve passando a mão, e qualquer pontinho que restasse logo evaporaria assim que entrasse em casa. Mas a lama grudava nela, secava em sua pele e coçava. Foi um alívio quando o caminho que percorria cruzou com a Grande Estrada e ela pôde trocar as trilhas lamacentas pela estrada pavimentada.
A estrada facilitava tudo e ela não precisava mais tomar cuidado a cada passo que dava, de modo que podia olhar em volta. Embora o inverno fosse sempre chuvoso nas proximidades da cidadela, aquele dia era um dos raros de sol e temperatura amena, valioso como uma pausa na tristeza da estação. Os pássaros chilreavam nas árvores que margeavam a estrada. Ao atingir a campina que cobria o Outeiro da Cidadela, ela viu que mesmo em pleno inverno as flores negras do trílio floresciam por toda parte. Ela riu alto. Quando criança, o Trílio Negro era raro e mágico, algo tão raro que existia apenas uma planta, aos cuidados da arquimaga. Mas depois que Haramis e suas irmãs derrotaram Orogastus, as flores surgiram magicamente sobre todo o outeiro. Agora eram comuns como ervas daninhas e, provavelmente, pensou Haramis com um humor meio deturpado, vistas dessa forma.
Era quase meio dia quando ela chegou à Cidadela, e foi recebida pelo rei com uma surpresa tão grande que beirava à estupefação.
- Senhora arquimaga, é uma honra enorme recebê-la – disse o rei, parecendo um pouco nervoso. – Como podemos servi-la?
A rainha, por outro lado, deu a impressão de considerar a chegada de Haramis sem aviso e sem comitiva nada além da excentricidade de uma mulher idosa, e levou isso em conta.
- Deve estar exausta, Senhora! – a criada chegou apressada, atendendo ao olhar da rainha. – Deixe os servos levarem suas coisas para o quarto de hóspedes e cuidarem de seus animais, enquanto descansa da viagem.
Dez dias enfrentando o frio do inverno e os caprichos de dois froniais meio excêntricos (não se importavam muito com a montanha, mas detestavam o pântano) deixaram Haramis sem fôlego e mal-humorada também.
- Vocês podem deixar de lado toda essa cerimônia – disse ela bruscamente. – O assunto que vim tratar não diz respeito a vocês dois, e sim a Mikayla.
- Mikayla? – o rei perguntou, sem entender.
- Sua filha Mikayla – disse Haramis com os dentes cerrados.
Nunca teve muita paciência com gente idiota e tinha passado tantos anos sozinha que perdera a prática dos modos da corte. Além do mais, como arquimaga, não precisava se preocupar com o que os outros pensavam dela.
- A sexta dos seus sete filhos. Lembra dela, não é?
O rei conseguiu dar uma risadinha nervosa.
- Sim, é claro que me lembro. Mas ela é apenas uma menininha. O que você quer com ela?
continua...
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