Autor: Marion Zimmer Bradley e Deborah J. Ross
Tradução: Gisele Conti
...
Carolin desceu as escadas e cruzou o salão central até a câmara menor onde sua classe vespertina, da prática de monitoramento básico com outros iniciantes, se reunia. Ele pegou um lampejo de conversa entre os trabalhadores mais velhos enquanto estavam sentados diante da lareira apagada.
-... Ridenow... - -… quem o enviou...?
Enquanto cruzava a sala, os dois interromperam a conversa. A triste Marella olhou para Carolin e sorriu. Apenas alguns anos mais velha, ela havia flertado com ele no Festival do Solstício de Verão, uns dez dias após sua chegada a Arilinn. Apesar de seus esforços para se comportar adequadamente, ela apareceu saliente em seus sonhos por algum tempo. Carolin sabia que ela tinha consciência do efeito que tinha sobre ele, pois na corte de seu avô, tinha sido alvo de muitas fofocas femininas. A combinação de juventude, beleza e uma coroa atraíam belas damas como um favo de mel atraía formigas-escorpião. Apenas com suas parentas, Maura Elhalyn e Jandria, a prima de seu irmão adotivo Orain, ele se sentira totalmente à vontade, mas elas voltaram para Carcosa.
O companheiro de Marella, um homem mais velho de rosto duro chamado Richardo, que parecia nunca sorrir para nada, levantou-se. Cumprimentou Carolin e saiu da sala. Corando, Marella o acompanhou, sendo assim Carolin não teve chance de fazer perguntas.
Assim era melhor. Estava bastante tempo em Arilinn para saber que telepatas operavam sob uma combinação de condutas sociais diferente das pessoas comuns. Alguns tipos de privacidade eram impossíveis, como a atração sexual. Contato físico casual podia ser ofensivo como um ataque direto quando pessoas viviam em tal intimidade. Mesmo assim nenhum código de etiqueta da Torre podia vencer a curiosidade nata de Carolin. Era um defeito que tentava forçosamente dominar.
Embora a família de Carolin, os Hasturs de Carcosa, adorasse o Senhor da Luz, como era adequado à casta do Comyn, ele também estudara os ensinamentos dos cristoforos. Uma oração, em particular, tinha lhe parecido própria para si, Conceda-me Ó Portador dos Fardos do Mundo, saber o que Vós permitais que eu saiba... Algumas vezes significava manter seu nariz fora de problemas que poderiam arrancá-lo, e sua cabeça inteira também. Em outras vezes, como esta agora, a oração sugeria que era seu direito e responsabilidade descobrir o que estava acontecendo, embora não dissesse como ou quando.
Na corte de seu tio, era difícil haver um momento em que alguma trama ou esquema não estivesse fervendo. Ocorrências políticas eram numerosas e instáveis como partículas de poeira no ar. Carolin aprendera a ter paciência e a utilidade de uma inocente expressão. No tempo certo, ele descobriria.
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Carolin focalizou seus pensamentos na tarefa à mão, a prática da pedra-da-estrela com outros iniciantes. A classe se reunia em uma pequena e arejada sala que tinha sido agradável quando chegara a Arilinn no verão, mas agora parecia muito fria. Em um mês ou mais, todos estariam encapotados em roupas grossas contra o frio.
Ele tomou seu lugar ao redor da mesa de trabalho com os outros estudantes, três garotos que não conhecia direito. Sua professora era Cerriana, uma garota mais velha com cabelo vermelho flamejante que tinha pouco interesse em socializar com garotos da idade de seu irmão menor. Ela trabalhava como monitora enquanto continuava seu próprio treinamento.
Valentina, a mais nova das noviças, estava ausente, provavelmente por estar novamente doente. Como muitos em sua família, os Aillards, ela tinha saúde frágil e fora enviada a Arilinn na esperança de que, com ajuda experiente, pudesse sobreviver à turbulenta doença do limiar. Carolin desenvolvera um caso leve em si mesmo, uns poucos meses de náuseas e irritação. Haviam lhe dito que aquilo normalmente era bem severo, chegando ao perigo de morte, naqueles com talento excepcional. A combinação do despertar do laran e a energia sexual da adolescência, que eram carregados pelos mesmos canais de energônios no corpo, podia acarretar sobrecargas fatais. Fidelis, o monitor sênior, mencionara que raramente, talvez uma ou duas vezes em uma geração, um laran de extraordinário poder despertava mais cedo, na infância, tão suave e completamente sem nenhuma dificuldade.
Com seu cuidado metódico usual, Cerriana direcionou os estudantes para a rotina da manhã. Juntos, eles pegaram suas pedras-da-estrela e começaram como sempre a simplesmente olhar para dentro delas, observando os padrões de luz azul.
Como todos os membros de sua família, Carolin tinha ganhado uma pedra de qualidade superior, de tamanho médio, mas belamente cortada, clara e levemente luminescente. Enquanto a envolvia em sua mão, a pedra esquentava contra sua pele. Sua pedra-da-estrela tinha ficado notavelmente mais brilhante desde sua chegada a Arilinn, os feixes radiantes mais intensos. Algumas vezes ele sentia a estrutura cristalina que focalizaria e amplificaria suas próprias habilidades psíquicas naturais. Cerriana tinha dito que quanto mais trabalhasse com a pedra, mais ela estaria sintonizada a ele.
Após os exercícios preliminares, Cerriana pegou uma coleção de objetos, plumas, pequenas moedas de prata, pequenos cubos e pinos de madeira, e os distribuiu aos estudantes. Usando suas pedras-da-estrela, os estudantes focalizaram suas mentes sobre os objetos com o objetivo de levantá-los ou movê-los sobre a mesa.
Carolin, como iniciante, ainda trabalhava com plumas. A tarefa, que parecera impossível na primeira vez que tentara, agora começava a fazer sentido, embora não tivesse tido muita sorte ao produzir nada mais do que um tremor na pluma. Cometera o erro de olhar diretamente para ela, como se pela força de vontade ele pudesse fazê-la se erguer. Agora ele olhava apenas tempo o bastante para fixar seu formato em sua mente, seu tamanho e cor, a curva de cima, o encrespado de baixo. Então olhou profundamente na sua pedra-da-estrela, formando uma imagem mental da pluma. Tentou imaginar o ar sob ela subindo como as ondas de calor acima de um campo no verão.
A pluma tremeu, balançou. Ele sentiu minúsculas correntes de ar pressionando contra seu peso. Desta vez, decidiu manter sua atenção no ar enquanto este soprava para cima.
Deixa a pluma ir para onde quiser, disse a si mesmo.
O ar parecia quente, excitante. Ele pensou nas nuvens de tempestade, montanhas brancas, elevando-se para encher o céu. Sabor e luz como de um relâmpago tremeluziu através de seus sentidos.
- Carolin!
Ele pulou, sua visão entrando em foco. A pluma estava na mesa como antes. Depois irrompeu em chamas.
Senhor da Luz!
Sem pensar, Carolin agarrou a pluma. O fogo apagou imediatamente, mas não antes de queimar seus dedos. Ele gemeu e pressionou a mão. Sua pedra-da-estrela rolou através da mesa. Cerriana a pegou antes que caísse da borda.
Fogo emergiu dentro do crânio de Carolin. Não podia mais sentir a mão queimada. Por um terrível momento, seus pulmões se fecharam, incapazes de puxar o ar. Ele ouviu vozes confusas a distância.
No momento seguinte, algo pequeno e frio foi colocado em sua mão. Ele pôde respirar novamente. Sua visão se normalizou e ele olhou para dentro dos olhos de Cerriana. Estavam escuros de preocupação. Sua mão pegou a dele, fechando-a ao redor de sua pedra-da-estrela.
- O quê... - O quê aconteceu comigo?
- Eu toquei sua pedra-da-estrela. Agora tenho que monitorá-lo para ter certeza de que não lhe aconteceu nada de mal.
Os olhos de Carolin arderam e ele sentiu seus ossos chacoalharem. Ficou grato quando Cerriana dispensou a classe. Tudo o que queria era ficar sozinho. Pressionou a pedra-da-estrela, apertando-a em seu coração. Seus dedos latejavam aonde havia tocado a pluma chamejante. Os músculos de seu estômago estremeceram. Mas ele era Hastur, herdeiro do trono, e não era apropriado comportar-se como uma criança chorona.
Apenas um momento se passou. Cerriana ainda esperava a resposta à sua pergunta. Como uma monitora treinada em Arilinn, ela obedecia escrupulosamente às formalidades. Aquilo não era uma emergência, não entraria nos campos de energia do corpo dele contra sua vontade. Finalmente, ele ergueu sua cabeça e gesticulou a Cerriana que estava pronto.
Enquanto ela trabalhava, alívio e uma sensação de bem-estar espalharam-se pelo corpo dele. Nervos exaustos relaxaram e as queimaduras de seus dedos esfriaram. As batidas de seu coração foram estabilizadas e sua respiração ficou mais suave.
Pouco tempo depois, ela anunciou com um sorriso que ele não fora prejudicado pelo fogo ou pelo contato acidental em sua pedra-da-estrela.
- Não entendo, - Carolin disse. Embora se sentisse fisicamente bem, exceto pelo vago calor em suas palmas, ele não conseguia pensar direito. Seu crânio parecia envolto em plumas. - Outras pessoas seguraram minha pedra antes... Hanna em casa, você, Fidelis e Auster aqui. Nunca tive uma reação como esta.
- Normalmente é seguro neste estágio, - Cerriana respondeu. - Poucos novatos estão sintonizados o bastante com suas pedras para correr qualquer risco quando um monitor treinado as manuseia. Você certamente não estava, não no começo de nossa sessão. O que quer que estava fazendo deve ter acelerado o processo. - Ela parecia pensativa. - Algumas vezes há um platô no desenvolvimento do laran e depois um efeito de queda. Contato com um telepata catalisador faria isso também.
Ela sentou-se, ainda estudando-o com renovada tranqüilidade. - Ouça, Carolin. Isto é muito importante. Agora que está sintonizado com sua matriz, nunca deve deixar que ninguém a toque exceto um Guardião, e mesmo assim deve ser apenas seu próprio Guardião. Não posso enfatizar o risco o bastante. Mesmo que seja treinada em monitorar o bem-estar físico e psíquico daqueles confiados ao meu cuidado, sou apenas uma monitora. Com todas as melhores intenções, poderia tê-lo ferido seriamente. A única razão para não tê-lo feito foi ter segurado sua pedra-da-estrela apenas por um momento. Está entendendo?
- Ah, - ele disse com um sorriso torto, - não tenho intenção de repetir aquela experiência. - Com mãos que ainda tremiam um pouco, ele guardou a pedra-da-estrela de volta em sua bolsa de seda impermeável.
Ela concordou gravemente. - Não acho que tenha aptidão para psicocinesia. A dúvida que continua é se você tem um talento isolado para criar fogo ou se isso... - ela apontou os pequenos pedaços carbonizados de pluma na mesa, -... é simplesmente devido às energias geradas pela sintonia com sua pedra-da-estrela.
- Bem, - Carolin disse com sua leveza usual, - ao menos será melhor do que olhar para aquelas plumas malditas.
continua...
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