quinta-feira, 28 de abril de 2011

A Forja de Zandru - trecho 15

Autor: Marion Zimmer Bradley e Deborah J. Ross

Tradução: Gisele Conti

...
- Não, Pai.
Dom Felix parou no limiar da porta. Levou um instante para entender. As sobrancelhas escuras se juntaram. - O que quer dizer, não?
- Quero dizer... - Varzil parou, com medo de que se titubeasse em sua decisão, sua coragem o abandonasse completamente. -... eu não vou para casa com você. Devo ficar até me deixarem entrar.
- Arilinn? - Seu pai parou. - É uma causa perdida. Mesmo se tivesse lhe dado minha permissão, não poderia associar-se com alguém que nutre tal desdém pela honra de nossa família. O modo como me trataram fala por si só.
Varzil deu um passo para trás. - É verdade, eles deveriam ter lhe oferecido o respeito adequado, mas aquela foi uma ofensa deles contra você. Quanto a mim, eu pertenço àquele lugar. Se eles não me aceitarão hoje, então sentarei aos seus portões até que o façam.
- Terá uma longa espera.
Varzil ergueu seu queixo. - A espera não me fará mudar de idéia.
- Não há nada a mudar. Você volta para casa amanhã.
- Não, não vou.
- Não acredito no que estou ouvindo. Está pensando em ter qualquer relação com aqueles... aqueles Hali‘imyn? Eles enfeitiçaram sua mente com bruxaria? Não achava que era possível em tão pouco tempo.
- Não fizeram nada comigo, - Varzil replicou com um toque de raiva. Ele se controlou e continuou, tão calma e racionalmente quanto pôde. - Pedir para ser admitido ali foi idéia minha. Sinto muito se não discuti com você primeiro. Sei que foi errado fugir no meio da noite e peço desculpas pelo problema que lhe causei. Se tivesse visto qualquer outra solução, teria preferido fazê-lo abertamente, com a sua benção. Temi que você desaprovasse sem ao menos ouvir, e foi exatamente o que aconteceu.
- De onde tirou essas idéias? Nem seu irmão ou irmãs têm um décimo da sua teimosia! - Dom Felix levantou as mãos em falsa irritação. - Foi uma febre no cérebro que o deixou tão teimoso quanto débil? Foi algo que comi na noite que o concebi? O povo da forja o deixou no lugar do bebê humano quando sua ama não estava olhando?
Varzil quase riu alto. - O que quer que seja, Pai, eu sou o que os deuses fizeram de mim.
- E você é um laranzu de Arilinn, é o que está querendo dizer? Que idéia ridícula! Tire isso de sua cabeça. Está resolvido. Não há mais nada a dizer.
- Você está certo, - Varzil replicou, embora seu estômago tremesse. - Não há mais nada a discutir. Não espero que concorde comigo, apenas que aceite que isso é o que devo fazer.
- Por que deve? - A voz de Dom Felix ficou mais dura. - Quem segura uma espada em sua garganta e o obriga a isso? E desde quando você tem o direito de dizer a seu pai o que vai fazer ou não? Asseguro-lhe, estar envolvido com o Conselho Comyn não lhe garante nenhum privilégio.
Lutando contra as lágrimas, Varzil disse: - Pai, por favor. Eu sempre tentei ser um bom filho, mas não posso... não posso seguir seus desejos nesta questão. Eu lhe imploro... tente entender. - Ele levou uma mão ao coração. - Está dentro de mim. Eu...
- Esta idéia tola não resultará em nada exceto em vergonha para toda a sua família. Se não consegue se comportar com dignidade, então ao menos pense no resto de nós. Nada de bom virá com isso.
- Eu tentei... Pai, eu tentei…
A voz de Varzil interrompeu-se enquanto lembrava das noites em claro, observando o tom colorido da luz das quatro luas de Darkover mudando vagarosamente através das paredes de pedra de seu aposento. Ele tentou não sentir, não ouvir, não responder às ondas de inexprimível energia que o deixava tremendo como as cordas de um alaúde. Algumas manhãs acordou com sangue nos lábios onde havia mordido, suas mãos doendo de tanto fechar os punhos. Finalmente, ele entendeu. Era inútil. Não havia nada que podia fazer para desistir de seu Dom. Não podia mais negar seu laran sem rasgar sua língua ou botar seus olhos para fora.
Por um ano ele desejou que o treinamento que recebia da leronis na propriedade Ridenow fosse o suficiente. Tentou seu melhor para ser o filho que seu pai queria, ou pelo menos uma boa imitação. Ficou rapidamente óbvio que isso nunca funcionaria.
Varzil vivera em dois mundos... o comum de trabalho diário como assistente não-oficial do coridom e ajudante de ordens não-jurado de seu irmão mais velho, Harald... e outro que tornou-se mais forte e mais vivo a cada dia. Sentia-se como se fosse uma única gota em um vasto rio vivo, sendo que a cada vez que os Ya-men bramiam seus lamentos secretos, ou as moças da cozinha acordavam com pesadelos, ou um garanhão sentia o calor crescente na égua próxima, sensações cruas o invadiam.
Em seu interior, ele sabia que continuar assim apenas o deixaria louco. Sentia, também, que sem o controle de sua consciência, seu Dom poderia provar ser muito mais mortal para aqueles que amava do que para si mesmo. A única solução era controlá-lo, nadar como um peixe contra a corrente. Mas como?
A leronis que o treinara quando criança havia claramente chegado ao limite de sua habilidade. Ele devia ir para uma Torre. E havia Torre melhor do que a lendária Arilinn?
Se ao menos achasse um modo de fazer seu pai entender!
- Você e seus sonhos inúteis! - Dom Felix dispensou as explicações de Varzil. - Sempre ficou se lamentando quando havia trabalho a fazer, ou sonhando com o canto dos chieri.
- Eles não são chieri. Nenhum homem viu ou ouviu falar deles desde a Era do Caos. Eram Ya-men. E eu realmente os ouvi.
- Ya-men, fadas, demônios do sétimo inferno de Zandru! É tudo a mesma coisa. Sua vida toda foi devotada a uma idéia romântica depois da outra. Esta é apenas a mais recente. Eu o agradei no passado, talvez mais do que devia. Agora devo corrigir isso. É demais trazer vergonha para si mesmo comportando-se de maneira tão indigna, implorando por admissão onde não é desejado. Não permitirei que manche a honra de nossa casa, não depois da maneira como me trataram. E tudo para quê? Você realmente acredita que merece treinamento? Mesmo se não fosse um Ridenow, eles nunca perderiam seu tempo com você. É claro que tem algum grau de laran... o Conselho lhe aceitou como prova disso. Mas um laranzu? Você deve ter inalado a flor fantasma para pensar tal coisa. Nunca teve doença do limiar que fosse notada, e todos sabem que isso é o que indica um forte laran.
Varzil baixou sua cabeça. Não sabia o que dizer. Seu pai havia se acalmado um pouco, mas ele conhecia aquele tom em sua voz. Seria mais fácil mover o Rio Kadarin de sua margem do que fazer seu pai mudar de idéia quando estava com aquele humor.
- Então, fiz tudo o que podia para fazer você racionalizar e por um fim nisso tudo. Sem mais discussão. Fará como eu digo.
O peito pesado, cabeça ainda baixa, Varzil disse, - Eu não desistirei. Não posso.
- Não pode? Nunca diga isso! - Felix estourou enquanto apontava um dedo na direção de Varzil. - Eu lhe dei a vida, e posso tirá-la novamente, e você será e fará o que eu disser! Agora arrume logo suas coisas!
Varzil recuara reflexivamente com as primeiras palavras gritadas de seu pai, mas manteve-se firme. - Não farei nada. Ficarei aqui até que Arilinn me aceite.
- Você voltará para casa em um cavalo ou amarrado sobre seu lombo com seu traseiro tão dolorido que não conseguirá se sentar. Será um bom destino para alguém que acabou de ser aceito pelo Conselho como um verdadeiro Comyn!
- Não pretendo desafiá-lo, Pai. Só que... que...
Em um único passo, Dom Felix atravessou o espaço entre eles e acertou seu filho com o punho fechado. O soco pegou Varzil no rosto e girou sua cabeça. Ele cambaleou, tão atordoado que por um longo momento não pôde nem respirar.
O impacto aprofundou-se mais do que as juntas na carne. Ressonou através de cada nervo e fibra do corpo de Varzil. Sob sua pele, fogo corria ao longo da rede de canais de energia, aqueles que carregavam seu laran.
Varzil cambaleou e segurou-se nas costas da cadeira de madeira. Sua visão turvou. Incapaz de falar, ele balançou sua cabeça.
- Não? - Felix levantou o pulso novamente. - NÃO?
Pai, por favor! Farei qualquer outra coisa que pedir, mas não... não...
Os olhos de Varzil encheram-se de lágrimas. Seus joelhos se dobraram e ele caiu no chão. Uma mão segurava o lado da cadeira, mas estava muito desorientado para se levantar.
A face do velho surgiu diante dele. Os olhos de Dom Felix estavam brancos. Seus lábios repuxados mostravam os dentes. Veias eram visíveis ao longo de suas têmporas.
Pai, não!

...continua

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