Também somos parentes distantes, sabe? Minha mãe era uma Ridenow. Quando
se casou com meu pai, metade de Elhalyn levantou-se escandalizada como um
incêndio na floresta e então encobriram toda a coisa. Ela achou melhor falar
pouco de sua família depois daquilo. - Jogou sua cabeça para trás, expressando
sua opinião sobre a situação. - Nosso primo, Ranald, estava conosco há uma
temporada atrás, mas não o conhecerá desta vez.
- Não sabia de nada disso, - Varzil disse devagar. - Pensava... - Pensava
haver uma antiga suspeita entre Ridenow e Hastur e que algo assim fosse
impossível.
- Onde está meu primo Rakhal? - Carolin interrompeu, seus olhos
procurando no grupo de servos que agora descarregava a bagagem e a levava para
o castelo. - Está doente, por isso não veio nos receber? E Lyondri?
- Oh! - Jandria fez uma careta, tocando o braço de Carolin. - Estão lá
dentro, ajudando seu tio. Como se o Rei não fosse capaz de decidir o cardápio
adequado para o jantar sem a sua ajuda!
- Jantar! - Carolin passou a mão na barriga em um gesto dramático -
Estou faminto!
Eles saíram em direção ao castelo. Maura andou ao lado de Varzil. - Você
não deve ter ouvido falar. Sua irmã, Dyannis, acabou de chegar a Hali para
começar seu treinamento.
Varzil alegrou-se. Sua própria luta pela permissão de seu pai deu,
portanto, inesperados frutos. Senão, Dom Felix certamente manteria
Dyannis em casa até que achasse um marido adequadamente nobre para aumentar o
prestígio da família. Ele captou uma imagem de portas se abrindo em todas as
direções, Hastur e Ridenow como aliados, homens resolvendo suas diferenças nas
mesas do Conselho em vez de em sangrentas batalhas.
- Dyannis tem um grande talento, - Maura continuou, com aquele controle
tão característico de um hábil trabalhador da Torre. - E ela é realmente
necessária. Não podemos nos permitir desperdiçar ninguém com o Dom. Não é assim
em Arilinn?
- Varzil acabou de ser escolhido para treinar como sub-Guardião, -
Carolin disse, subindo os grandes degraus que levavam aos portões do castelo.
- Sério? - Maura virou-se para Varzil, seus olhos cinza se arregalaram.
- Que grande notícia. E você, Eduin, ouvimos falar do poderoso laranzu
que se tornou.
Mas não um Guardião. Ainda não. Varzil sentiu a
amargura no pensamento desprotegido de Eduin.
Maura continuou, imperturbável. - Carlo, o que você acha? Devo perguntar
aos Guardiões se Dyannis pode se juntar a nós? Assim toda a família estará reunida
para o feriado.
- Só podia ser você, Maura, tão gentil.
- Tão mandona, - Jandria provocou, - arranjando tudo do seu jeito! É uma
sorte que mulheres não possam ser Guardiãs, ou ela nos colocaria todos dançando
em um círculo!
- Janni! - Orain exclamou, com a intimidade de um parente. - Não é
adequado dizer essas coisas.
- Oh, não me importo, - Maura disse com bom humor. - São tempos
modernos, apesar de tudo, e só por que nunca teve mulheres Guardiãs não
quer dizer que nunca terá. Quanto a mim, minha querida irmã de criação,
estou contente com o Dom da Visão.
Isso explicava a inocente autoconfiança de Maura. Ela não era apenas uma
leronis, mas uma das seletas mulheres, altamente treinadas e juradas
para a castidade por seus talentos de clarividência.
Eles passaram através de pesados portões e entraram em um vestíbulo. Em
instantes, Varzil e os outros foram separados e levados aos seus aposentos
privativos. O quarto de Varzil em Arilinn era espaçoso, mas com mobília
simples, um lugar de retiro mais do que de diversão. Agora ele estava no meio
de uma antecâmara que dava para uma suíte completa de quartos, com certeza tão
espaçosa quanto o aposento inteiro dos Ridenow na Cidade Oculta.
Tapeçarias cobriam cada parede, muitas delas retratando cenas da “Balada
de Hastur e Cassilda” em tributo ao grandioso ancestral da casa. Cada peça de
mobília parecia ser entalhada, folheada ou incrustada com madre-pérola. A cama
na câmara interna estava sobre uma plataforma, coberta em brocado cor de vinho,
que facilmente acomodaria um habitante das Cidades Secas e suas numerosas esposas
e concubinas. Ao lado havia um armário enorme o bastante para se andar dentro
dele e um pesado guarda-roupa encimado por uma peça de mármore tão bem polido
que Varzil podia ver seu reflexo nele. A bacia e jarro com água de rosas eram
de uma valiosa porcelana, pintada com belos desenhos.
A única bolsa de Varzil era um monte disforme ao pé da plataforma. Ele a
pegou e carregou-a até o armário, cuidadosamente arrumando suas poucas roupas
nos cabides. A madeira do interior cheirava deliciosamente a cedro e lavanda,
mas misturava-se com a fragrância da água do banho. Se tivesse que dormir
trancado com tantos aromas incompatíveis, acordaria com a dor de cabeça do
próprio Zandru.
Ele se assustou com a batida na porta. Um homem em um belo casaco e
calças no azul e prata de Hastur entrou. Varzil observou. O rapaz não podia ser
mais do que um ou dois anos mais velho do que ele, mas suas feições naturais estavam
mascaradas por uma grossa camada de pó, suas faces e lábios pintados de
vermelho. Certamente cabelos não podiam crescer naquela cor de latão ou ter um
brilho tão lustroso. O cortesão ainda exalava um outro perfume, uma mistura de
incenso e algo almiscarado.
Com uma respeitosa meia reverência, o cortesão disse que se o jovem
lorde se preparasse, Sua Majestade o receberia logo após o jantar. Os olhos do
homem vacilaram no armário aberto. Ele adicionou que um traje adequado para a
corte podia ser providenciado para hóspedes.
Indignação aflorou. Varzil lutou para se controlar. Seu próprio pavor de
se encontrar no meio de tais ostentações sumiu por um instante. Sabia o que o
cortesão estava vendo... um garoto pobre, sub-nutrido e mal educado, um
joão-ninguém, que estava ali apenas pela bondade de Carolin em compartilhar um
feriado com os menos afortunados.
Eu sou um laranzu de Arilinn, e sou um Ridenow, de uma casa nobre. Não
esconderei nada, e certamente não por trás de elegância emprestada!
Ele disse, na voz mais calma que pode conseguir, - Agradeço por sua
cortesia. Estou bem assim.
Os olhos do homem se arregalaram em descrença. Varzil quase riu alto de
seu desconforto enquanto ele se inclinava novamente e se retirava.
Varzil vestia sua melhor camisa de feriado e uma veste com as cores de
Ridenow quando um pajem, jovem e de rosto doce, veio para escoltá-lo à sala do
trono. Varzil ouviu a multidão antes de descer totalmente as escadas. A corte
certamente estava em sessão e os pedintes, tal quais os cortesãos, a
assistência, servos do castelo e guardas em cores de Hastur enchiam a enorme
sala.
Tantas pessoas em um só lugar! Não pela primeira vez, Varzil
silenciosamente abençoou o treinamento que o protegia do ataque psíquico. Toda
pessoa possuía um nível mínimo de laran, que em pessoas comuns
manifestava-se como intuição ou simpatia, algumas vezes como uma aptidão para a
criação de animais ou línguas. Em uma reunião como esta, com tantos parentes
Hastur e de clãs menores, a pequena quantidade de laran de cada um que
se reunia, era o bastante para desgastar uma mente suscetível.
Seria impensavelmente rude ler os
pensamentos que passavam ao seu redor, mas mais do que isso, Varzil conhecia
todos muito bem para abrir-se para a multidão e ondas de emoções rapidamente o
deixariam frenético. Ele respirou profundamente, tocou a bolsa de seda que
continha sua pedra-da-estrela para ajudá-lo a focalizar, e pensou nas paredes
de pedra. Era uma técnica que Auster o passara, e quanto mais vívida e
detalhada fosse a visualização, mais sólida seria a barreira. A imagem de
Varzil incluía os sulcos entre as pedras cinza, suas superfícies gastas pelas
estações de chuva, as partículas de minerais negros e brilhantes, a linha de
granito púrpura correndo através do bloco central...
A agitação mental diminuiu para um murmúrio. Varzil respirou melhor, os
músculos de seus ombros relaxaram. Ele desceu os últimos dois degraus e cruzou
o largo vestíbulo até a sala do trono. Antes que pudesse ser levado pela
confusão de cortesãos, ele avistou Carolin próximo à entrada da sala.
Alto e belo, seu cabelo vermelho-fogo impecavelmente cortado, Carolin
teria se sobressaído, mesmo naquela elegante reunião. Vestia um traje de
camurça cinza-claro guarnecido com tiras azuis bordadas com o emblema da árvore
prateada dos Hasturs. Parecia brilhar levemente, criando uma súbita aura de
força, ou talvez o efeito fosse devido ao seu porte, de orgulho e graça, e o
contraste com os costumes pomposos ao seu redor.
Á certa distância, Orain permanecia ao lado de uma mulher baixa em um
extravagante traje de renda dourada. Ela parecia bem mais velha que ele e teria
sido bela, apesar das linhas marcando seus olhos e boca. Ela segurava a mão de
um radiante rapaz que ficava olhando para Orain. Apesar de o garoto não ter
mais do que nove ou dez anos, a promessa de seu laran o cercava como uma
coroa invisível.
Um mensageiro chamou o nome Varzil, seguido pelo de Eduin. Ele se adiantou.
A multidão partiu-se à sua frente, como se um campo invisível os tirasse do
caminho.
Eduin tinha estado perto da frente da audiência, preparado para tomar
sua vez, esplêndido em um casaco e calças de um radiante brocado cor de marfim,
sua camisa de um fino linho das Cidades Secas guarnecida com fitas nos pulsos e
colarinho. Mesmo suas botas, de fino couro, eram de algum nobre cortesão. Daquela
distância, Varzil pôde ver alfinetes espetados no casaco e o modo como as botas
apertavam a perna de Eduin.
Parado ao pé da plataforma, Carolin sorria, seus olhos cinza os
avistaram e ele acenou para que se adiantassem.
Varzil deu um profundo suspiro e preparou-se para encontrar o Rei Felix
Hastur, o homem mais poderoso em Darkover.
continua...
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