quinta-feira, 19 de julho de 2012

A Forja de Zandru - trecho 47


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Um imenso e envelhecido trono dominava a plataforma, cercado pela multidão reunida. Fios de linha prateada brilhavam nos apoios de braço e encosto, acentuando a árvore entalhada dos Hasturs e contrastando com as grossas almofadas azuis.
O trono diminuía a figura sentada ali como se esta fosse uma boneca esquecida. Por um momento, Varzil mal pode acreditar que aquele velho fosse realmente Felix Hastur, soberano do mais poderoso reino de Darkover. Esperava alguém de aparência mais heróica, mas por outro lado, o que ele entendia de reis? Como qualquer outro, ouvira histórias de que Felix Hastur fosse emmasca, nem homem nem mulher. Tais pessoas costumavam ter longa vida e possuir o Dom, mas eram estéreis. Sendo assim, o herdeiro de Felix seria o filho mais velho de seu irmão seguinte, devido ao fato de não poder ter filhos. Seus dois casamentos falharam em produzir ao menos uma única gravidez. Se tinha um filho nedestro, ninguém tomara conhecimento.
Era difícil acreditar que o pai de Carolin tinha sido irmão deste velho Rei, embora Carolin lhe tivesse explicado haver quase duas décadas entre os nascimentos dos dois. Seu próprio pai, que governou Carcosa antes de Felix, havia enterrado várias mulheres e gerado seus dois filhos sobreviventes quando seus contemporâneos já estavam há muito em seus túmulos.
Rei Felix deve ter sido um dia uma presença imponente, mas agora sua pele pendia sobre os ossos como uma roupa grande demais, empoada e pendurada para secar. Atrás dele, em posturas respeitosas, estava uma fileira de atendentes. A maioria tinha cabelo grisalho e pareciam sombrios em seus mantos de pele e veludo brilhante. Devem ser conselheiros, Varzil pensou, ou parentes, especialmente os dois jovens com o cabelo vermelho do Comyn que estavam mais próximos, ao alcance do ouvido. De algum modo, eles lembravam a Varzil um bando de cães circulando um velho lobo, desconfiados da força do animal, incapazes de arriscar, esperando. Esperando...
O rei endireitou-se no trono. Uma mão, a pele com manchas de idade, ergueu-se; um dedo magro apontou para Eduin e Varzil. A sala silenciou.
- Onde está Gerrel, meu irmão? - Rei Felix perguntou queixosamente. - Porque nunca está aqui para me atender?
Um dos jovens atrás do trono se inclinou. Seus veludos elaboradamente cortados não disfarçavam completamente a forma atarracada ou suas faces coradas, o inchaço sob seus olhos inquietos. Embora falasse em voz baixa e suave, suas palavras direcionadas apenas ao rei, Varzil pode entender seu significado.
- Sua Majestade deve se recordar que Príncipe Gerrel está morto já faz vinte anos. Estes são amigos de Príncipe Carolin, que vieram com ele de Arilinn para celebrar o Festival de Inverno conosco.
- Oh? - Algo iluminou seus olhos úmidos, e Varzil sentiu o alerta constante, a confiança de mais de um século de domínio incontestável. - Sim, é claro, devemos estender a hospitalidade dos Hasturs e oferecê-los adequadas boas-vindas. Carolin, meu garoto, venha aqui. Esteve longe por muito tempo.
Carolin parou diante da plataforma para executar uma impecável reverência, depois se adiantou e beijou a face do velho rei. Sua afeição natural e tranqüilidade afastaram o embaraçoso momento.
- Estou em casa agora, Tio. Terminei minha estada em Arilinn e aprendi tudo o que podiam me ensinar, tudo que convém a um Príncipe de Hastur. Foi para isso que me mandou para lá. Trouxe meus novos amigos para lhe apresentar. - Carolin acenou para que Varzil e Eduin se aproximassem do trono.
 A face do velho brilhou com as primeiras palavras de Carolin. Mas agora ele encarava os recém-chegados. Seus olhos refletiam uma luz transparente e incolor, denotando o sangue do místico chieri que corria em suas veias.
Ele tem sido rei por tanto tempo, Varzil pensou. Quem sou eu para julgar se o peso de todos esses anos é demais para ele?
Velho e cansado como devia estar, pelo bem de Hastur e de toda Darkover, este frágil velho devia de algum modo juntar forças para continuar até que seu sobrinho seja adequadamente treinado para governar. Homens mais jovens que Carolin tinham sido colocados em posições de força, até menos preparados do que ele, e viraram presas das maquinações daqueles com ambição em excesso.
Carlo confia demais, Varzil pensou. E esta corte não é lugar para um coração tão generoso. Ele precisará de amigos leais. Mas quem entre esta multidão pintada e perfumada podia realmente ser considerado um amigo?
Rei Felix falou novamente, atraindo a atenção de Varzil. Levou alguns momentos para que a multidão se silenciasse o bastante para ouvir suas palavras.
-... real prazer em anunciar que o casamento entre Príncipe Carolin e Dama Alianora Ysabet Ardais foi marcado para o Festival de Verão...
Varzil tentou olhar para seu amigo. Um velho cortesão virou-se para seu vizinho e disse, - Que alívio que enfim tenha sido marcado. É uma brilhante combinação, é claro. Ela herdará toda a fronteira ao longo do Rio Scaravel.
- É, isso estabilizará toda a região, - seu companheiro concordou.
Àquela altura, gritos de alegria explodiram espontaneamente. Carolin virou-se para a multidão e inclinou sua cabeça em reconhecimento. Varzil não pode ler nada dos pensamentos de seu amigo, ou ver algo por trás da graça de seu sorriso.
Carolin, como qualquer jovem do castelo, teria sido prometido assim que tivessem certeza que sobreviveria à infância. Seu irmão de criação, Orain, não estava apenas casado, mas tinha um filho. A única razão para que Varzil não tivesse ainda sido prometido em casamento era sua infância problemática. Se o resgate dos homens-gato não tivesse intervindo, seu pai provavelmente já teria encontrado uma aliança adequada para ele logo após sua apresentação ao Conselho Comyn. Era assim que o mundo era.
Carolin nunca falara de seu noivado, o que sugeria que ele mal conhecia a garota. Este também era o costume. Os próprios pais de Varzil nunca haviam se olhado antes do dia de seu casamento e tinham vivido amigavelmente bem juntos, gerado seis crianças, quatro delas ainda vivas. Um homem não podia pedir mais do que isso naqueles tempos incertos. Isto é, um homem comum.
Mas Carolin não era comum. Tinha laran suficiente para ser treinado em uma Torre e sua própria natureza… passional, romântica, amor pela honra e aprendizado... o havia dividido. Embora Varzil tivesse ainda que achar um amor em Arilinn, sabia da impossibilidade de um telepata tentar intimidade física onde não houvesse ligação mental, comunhão direta com o coração. Seria como copular com um animal. Ele sabia que era incapaz de uma coisa dessas.
Varzil, observando Carolin receber as felicitações de seus primos reais, sentiu uma pontada de perda e desapontamento. Agora, seu amigo tinha passado de um mundo que compartilhavam para outro que não podia... e não desejava... seguir.


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