quarta-feira, 25 de julho de 2012

A Forja de Zandru - trecho 49


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Em sua temporada em Arilinn, Carolin pegara o hábito de acordar antes do amanhecer. Com o trabalho noturno terminado, os círculos se dispersavam e aquelas tarefas que requeriam luz do dia não haviam ainda começado. No verão, quando Carolin chegara ali, esta era a hora mais prazerosa, mas enquanto os dias se encurtavam e o gelo margeava a sacada externa de seu aposento, ele continuou se levantando, sob camadas de cobertores xadrez, para olhar para fora.
Seu quarto dava para os Picos Gêmeos, terra alcançando o céu e homem submisso perante os dois. Ele pensava nisso como uma lembrança para um futuro rei. A calma da manhã possuía seus ossos e enquanto observava o grande Sol Sangrento clarear o horizonte, manchando os céus com sua luz, parecia que todo o mundo se estendia diante dele, silenciosamente esperando para ver o que ele lhe faria.
Ele sempre soubera que não era um homem comum, era alguém que um dia seria rei. Até que fosse para Arilinn e submetesse sua mente à sua disciplina, ele não percebera que um destino ainda maior podia estar diante dele.
Envolto em seu manto de pele, Carolin olhou para os pátios do Castelo Hastur e além dos telhados de Hali e perguntou-se se algum dia teria novamente essa mesma calma em seu coração, em sua alma. O castelo nunca estava realmente quieto. Sempre havia alguém por perto, algum guarda ou garoto da cozinha, algum conselheiro inclinado em seus papéis, alguém no estábulo perturbando um cavalo manco ou um filhote de cão.
Esta é minha casa, meu lugar, ele lembrou-se pela centésima vez desde que chegara. Amanhã seria o Dia do Solstício de Inverno e o festival continuaria até o próximo amanhecer. Uns poucos dias depois, Varzil e Eduin voltariam para sua Torre. Ele estaria sozinho no meio de uma multidão como nunca estivera, pois apesar de amar a companhia de seus amigos de infância, eles não viram o que ele vira dentro de sua mente, nem sentiram o que ele sentira.
Logo eles também iriam para caminhos separados. Maura retornaria para a Torre Hali e ao difícil e desgastante trabalho da Visão. Orain permaneceria por um tempo, pois era homem jurado de Lyondri, mas eventualmente devia retornar para sua propriedade e família. Era uma pena que o casamento, arranjado por Rei Felix, tinha acabado tão mal. Não era da natureza de Orain desejar qualquer mulher, mas os dois desprezaram um ao outro desde o início. Orain tinha um belo filho que claramente o adorava, mas Orain estava muito carregado de hostilidade pela mãe do garoto para apreciar ou mesmo ver o amor que o garoto tinha por ele.
Era hora de deixar para trás coisas de sua juventude. Logo chegaria a hora de ser Rei. Mas ainda não.
Notou algo se movendo, uma figura passando pela porta da cozinha em direção ao pátio, deixando profundas pegadas na neve da noite anterior. Pela altura, a forma dentro da volumosa roupa era irreconhecível, mas Carolin o teria reconhecido de qualquer jeito. Quem mais pararia no poço, como se estivesse ouvindo o coração da terra? Quem mais precisava de um momento de reflexão em particular como um peixe precisava de água ou um falcão de suas asas?
- Varzil! - Carolin gritou.     
Não havia necessidade. Seu amigo já havia se virado para olhar para ele e levantado uma mão em saudação. Carolin desceu correndo as escadas, trombando nos guardas e criadas carregando pilhas de lençóis, vassouras e tinas, e vasilhas com água aromática fervente para as suítes reais. Ele passou pela cozinha, quente e com o aroma da primeira fornada de pão do dia.
Varzil ainda estava ao lado do poço quando Carolin o alcançou. O ar congelante penetrou sua garganta. Enquanto se aproximava de seu amigo, a alegria o invadiu.
Vamos fugir! Ele queria gritar. Vamos viajar até o fim das Hellers e além!
- O que está fazendo aqui fora? - ele disse.
Varzil retorceu o canto da boca naquele seu meio sorriso, como se estivesse se deliciando por dentro. - E você?
- Vamos descer para a cidade, - Carolin disse. - Deve haver algum lugar onde possamos achar jaco há essa hora.
- Uma aventura além dos portões? - Varzil disse. - Arriscando assassinato ou seqüestro? Lyondri iria se revirar por dentro se soubesse, como a cabra naquela balada, embora por razões diferentes.
- Está desafiando seu príncipe?
- Você é meu príncipe?
- Ridenow imprudente, não tem respeito? - Carolin jogou seu braço sob os ombros de Varzil e saiu na direção do portão. Havia aprendido em Arilinn a evitar tais contatos casuais, mas não sentira retração de Varzil. O gesto fora recebido tão naturalmente quanto foi oferecido.
Os guardas no portão olharam incertos se deixavam Carolin passar ou insistiam em acompanhá-lo. Carolin mandou-os de volta, dizendo que apenas os virtuosos de coração estariam acordados àquela hora. Vilões já deviam estar na cama, sonhando com suas maldosas façanhas. Antes que os guardas pudessem formular uma réplica, os dois amigos passaram pelos portões e entraram na cidade.
Hali, diferente de torres montanhesas como Nevarsin, era cercada por largas avenidas. A neve tinha sido varrida do centro de cada rua e empilhada ao lado das construções. Ali nas terras baixas, era possível manter as ruas limpas. Em qualquer lugar das escarpadas Colinas Venza ou nas Hellers, a neve devia estar à altura da cintura naquela estação.
Com as faces vermelhas de frio, mulheres e alguns homens cuidavam de seus afazeres. Eles saudavam uns aos outros. Alguns carregavam cestas de mercadorias a serem entregues, pacotes de lenha, ou baldes pendurados de água. Um homem liderava um grupo de chervines de carga, sinos tilintando em seus arreios.
Carolin e Varzil foram para o mercado, onde umas poucas almas corajosas já haviam montado tendas protegidas do vento. Fazendeiros ofereciam comidas de inverno, como maçãs, repolhos e caruru, junto com barris da cidra fresca da estação. Um padeiro armara uma mesa em frente à sua barraca com travessas de pãezinhos quentes temperados e bolos trançados de mel.
- Jovens lordes! Experimentem meus deliciosos bolos! - a esposa do padeiro gritou, limpando suas mãos no avental. Suas faces brilhavam no frio.   
- Jaco! Jaco quente! - outra pessoa gritou do lado oposto da praça, ecoando o canto e resposta das cerimônias dos cristoforos.
- Maçãs! Quem quer comprar minhas maçãs! Frescas como no dia em que foram colhidas!
- Fitas! Belas fitas para os cabelos de minha dama!
Carolin pediu duas canecas de jaco e depois notou que deixara o castelo sem nenhum dinheiro. O vendedor não o reconheceu, e suspeitava claramente do jovem ricamente vestido tentando usar sua posição para ganhar uma bebida. Quando Carolin começou a conduzir o homem ao castelo para o pagamento, Varzil estendeu para o homem quatro ou cinco pequenas moedas de prata. O homem olhou para o estranho desenho estampado no metal, testou um contra o dente, e embolsou-o com um sorriso.
continua...

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