Autor: Marion Zimmer Bradley
Tradução: Ariane Pierine
Capítulo 2
Haramis achava que não podia demorar mais. Não queria imaginar sua sucessora na mesma situação que ela esteve – mergulhada de repente no papel de arquimaga de Ruwenda, sem a menor idéia do que aquilo representava. Por isso, por mais cruel e prematuro que parecesse ser, para ela e obviamente para Ayah, precisava começar a educar Mikayla para a função que ia desempenhar no futuro.
Ayah ficou vários dias na torre, na companhia de Enya, enquanto Haramis fazia os preparativos para a viagem à procura de sua sucessora. É claro que podia, simplesmente, chamar alguns abutres gigantes para levá-la até a cidadela e trazer Mikayla de volta para a torre. Mas queria que Mikayla visse os detalhes da terra com a qual ia se unir, e assim, no dia em que despachou Ayah num abutre, montou num fronial já equipado com mantimentos e material de acampamento, e partiu para a cidadela ao sul, onde sua irmã Anigel vivera e morrera.
Os primeiros dias da viagem foram nas montanhas. Fazia muito frio, embora o tempo estivesse ameno para o inverno, e nenhuma neve caiu. (Haramis achava que sofria bastante viajando pela neve que já estava no chão, para permitir que nevasse mais). Apesar do saco de dormir bem forrado, sentia dores em todas as juntas quando acordava de manhã. Mas no fim do quinto dia a neve tinha acabado e ela observou o sol se pondo, imenso e vermelho, sobre o pântano no oeste.
A partir daí a maior parte da viagem era feita por caminhos secretos que ninguém usava há muito, através dos pântanos de Ruwenda. Houve um tempo em que conhecia cada passo dessas trilhas, tão bem quanto as estantes da sua biblioteca. Só pela dor que sentia nos músculos era evidente que tinha de fato passado tempo demais em retiro atrás das paredes confortáveis da torre. Era verdade que quando tudo ia bem na terra, não havia necessidade de deixar a torre, mas mesmo assim sentia que devia sair mais. Quantos anos se passaram desde que vira a terra, fora dos transes da visão? Mesmo com as dores do corpo, era bom estar fora de casa, passeando.
Quanto à aparência física, Haramis se disfarçou como uma mulher comum, mas ainda em perfeitas condições de saúde, apesar do cabelo branco como a neve. Essa era a aparência que sempre usava quando viajava pela terra, mesmo quando era muito jovem. Isso garantia que seria tratada com certo respeito, mas sem o medo supersticioso que a presença da arquimaga provocaria. Porém, no fim de cada dia ficava imaginando se aquela impressão de saúde não era uma mentira igual a qualquer coisa que indicasse seus poderes mais misteriosos, ou a sua verdadeira idade.
Lembrou mais uma vez que poderia ter chamado um dos abutres que a serviam, e ficava tentada a fazer isso muitas vezes, especialmente nos fins da tarde, quando pensava na urgência de sua missão.
Haramis achava que provocar um rebuliço em toda Ruwenda aterrissando daquela forma no pátio da casa da sua sobrinha-neta, por mais distante que fosse o parentesco, daria à menina – e possivelmente até aos pais dela, embora cansados de saber – uma idéia inteiramente equivocada da utilização dos deveres e dificuldades da função de arquimaga, além da idéia equivocada da utilização do poder mágico. Não havia nada de mágico nos froniais. Orogastus mantinha um estábulo deles (já que não podia invocar os abutres gigantes, os froniais eram seu único meio de transporte para sair e voltar da torre), e Haramis tinha simplesmente dado continuidade ao programa de criação.
Orogastus, sempre bombástico, certamente chegaria dessa viagem de abutre gigante, se pudesse. Mas não era esse o estilo de Haramis.
continua...
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