segunda-feira, 18 de outubro de 2010

A Senhora do Trilio - trecho 8

Autor: Marion Zimmer Bradley
Tradução: Ariane Pierine

...
Felizmente para o pouco que sobrava da paciência de Haramis, a rainha era uma pessoa mais prática. Num breve instante Haramis se lembrou de seus pais, o rei Krain, culto e extremamente distraído, e a rainha Kalanthe, capaz e gentil. A rainha ordenou que a criada fosse ver imediatamente se o quarto de hóspedes estava arrumado, com o fogo aceso, mandou os servos cuidarem da bagagem de Haramis e dos froniais. Despachou Ayah, que estava atrás da criada, o que não surpreendeu Haramis nem um pouco, com ordens de encontrar a princesa Mikayla e de levá-la imediatamente para a pequena sala de estar. Então conduziu Haramis para a sala, fez com que sentasse na cadeira mais confortável e pediu comida e bebida.
- O jantar será servido em breve – ela explicou - mas a senhora talvez queira um pouco de frutas secas e queijo...
Haramis sentou com as costas bem retas, cuidando para não demonstrar cansaço. Lá fora, sob o sol forte, sentia-se bem, mas o castelo por dentro era escuro e úmido, apesar do fogo. Ela olhou para o rei, que tinha ido atrás delas, e que estava parado perto da porta, sem saber o que fazer. Haramis percebeu que ele gostaria de ter tido tempo para preparar Mikayla para o encontro com a parenta idosa. Pelo pouco que tinha visto Mikayla, ela suspeitava que a rainha pensava a mesma coisa, mas disfarçava melhor que o marido. Ou talvez, Haramis pensou, o rei estivesse mesmo tentando lembrar de Mikayla. Se achava que era um menininha, era óbvio que não prestava muita atenção nela ultimamente. Haramis teve a impressão de que aquele dia seria um grande choque para ele.
A comida chegou e Haramis comeu educadamente, contendo sua impaciência. Ayah ia encontrar Mikayla tão depressa quanto possível, e seria insensato demonstrar impaciência demais.
Mas quando Ayah voltou, estava sozinha.
- Onde está minha filha? – perguntou a rainha.
Ayah parecia triste.
- Não está na Cidadela, majestade. Temo que tenha partido com lord Fiolon em mais uma de suas expedições.
A rainha afundou na cadeira e apoiou o polegar e o indicador juntos entre os olhos, como se acometida de uma repentina dor de cabeça. A notícia certamente não foi bem-vinda para Haramis, mas ela teve uma clara impressão de que não era uma surpresa completa. De fato, o único comentário audível que a rainha fez foi reclamar baixo:
- Por que hoje?
Mas o rei não conseguia compreender a situação que até para Haramis não era difícil de adivinhar. Claro, a irmã de Haramis, Kadiya, tinha o hábito de desaparecer nos pântanos durante semanas a fio, acompanhada apenas pelo caçador nyssomu Jagun, seu companheiro favorito, de modo que Haramis estava familiarizada com esse tipo de comportamento. A princesa Kadiya passou tempo suficiente no meio dos nyssomus para merecer o nome do pântano “Visão ao Longe” e para ser nomeada membro honorário da tribo nyssomu.
- Expedições? – ele vociferou. – Explique-se, mulher! Está dizendo que a minha filha está percorrendo os pântanos sozinha?
- Não, majestade – Ayah respondeu depressa. – Tenho certeza de que ela não está sozinha. Lord Fiolon e ela têm muitos amigos na aldeia nyssomu a oeste do outeiro, por isso sei que foram, no mínimo, com um guia.
O rei parecia que ia explodir. Os homens, pensou Haramis, sempre perguntavam coisas sem importância. Haramis escolheu aquele momento para se manifestar.
- Para onde teriam ido? – perguntou calmamente.
- Ouvi os dois conversando no mês passado sobre umas ruínas antigas subindo o rio Golobar – disse Ayah – mas achavam que o nível do rio não estava alto o suficiente para o barco chegar até lá. É claro – ela acrescentou timidamente -, tem chovido bastante desde então.
Haramis conhecia as ruínas, apesar de jamais ter estado lá pessoalmente. Ficavam onde o Pântano Negro encontrava o Pântano Verde, subindo o rio Golobar até quase a metade do caminho entre a nascente e o ponto em que fluía para o Rio Mutar Meridional, cerca de um dia de viagem a oeste da Cidadela. Mais um dia para chegar a Golobar, e provavelmente uma semana, no mínimo, sob condições ideais, para chegar às ruínas, supondo, é claro...
- Os skriteks! – Haramis exclamou de repente. – Ela sabe que há uma grande concentração de skriteks naquela área, não sabe?
- O quê? – o rei rugiu, quase abafando a exclamação de horror da rainha.
- Você não conhece nada do seu reino? – Haramis disse asperamente. – Está claro que não sabe quase nada também sobre a sua família.


continua...

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