sábado, 16 de julho de 2011

Redescoberta - trecho 3

Autores: Marion Zimmer Bradley e Mercedes Lackey

Tradução: André Pereira

...
– Eu poderia suportar estar empregado novamente – ele admitiu, com um sorriso torto. – Toda essa viajem espacial me faz sentir meio desnecessário. Será bom voltar a trabalhar.
David Lorne não tinha nada de incomum, exceto seus olhos espantosamen-te límpidos, e o modo como olhava fixamente para um interlocutor. Ele era um homem bastante sério, já perdendo cabelo, e com uma aparência de certa forma mais velha do que seus vinte e sete anos, mas dono de um senso de humor sutil e único que ele partilhava com Elizabeth mais que com qualquer outra pessoa.
– O que você realmente quer encontrar lá, David? – ela perguntou, sentin-do-se muito sóbria de repente.
– Um planeta onde eu possa fazer o trabalho da minha vida; coisas interes-santes para comer – respondeu, com a mesma seriedade. – Um lugar que possa-mos tornar nosso; não é o que nós dois queremos? Para que possamos assentar, ter filhos que crescerão para ser nativos deste mundo... seja lá o que ele acabe se revelando.
– Eu de fato ficarei satisfeita em aterrissar numa superfície planetária, qual-quer superfície – ela concordou. – Estou cheia de me sentir supérflua. Não há muita coisa para nós dois fazermos no espaço, exceto apresentar concertos para a tripulação. – Elizabeth não só colecionava e estudava baladas como também as apresentava. Ela tinha um abrangente repertório, e tocava e cantava muito bem, de modo que se descobria na maior demanda para recitais improvisados no salão de recreação, além dos concertos regularmente programados.
– Bom, não há dúvida de que há muitas pessoas para apreciá-los – Ysaye riu. – E temos a nossa reputação para preservar; dizem que somos a única nave da frota em que o capitão escolheu seu engenheiro-chefe por que ele sabia tocar oboé.
Elizabeth deu uma risada. As excentricidades do capitão Enoch Gibbons eram conhecidas por toda a Frota Imperial. Todos na sua tripulação, pessoal da nave ou não, eram, é claro, escolhidos pelas habilidades, mas parecia que o capi-tão Gibbons sempre encontrava tripulantes que, por acaso, eram apaixonados por música. Ao ser contestado a respeito do caso do engenheiro, supostamente argumentara que as universidades militares estavam abarrotadas de bons engen-heiros espaciais; mas bons tocadores de oboé, pelo contrário, eram bastante ra-ros – o oboé era conhecido popularmente como “o instrumento de sopro que ninguém sopra direito”. O capitão Gibbons era um admirador de ópera, e se al-guém da tripulação não tinha um bom conhecimento de italiano, alemão e fran-cês, não era por falta de exposição à pelo menos uma parte do vocabulário des-ses idiomas. Não que fosse uma coisa ruim, refletiu Ysaye, quando decorriam meses sem haver aterrissagem. Certamente era melhor do que ter uma nave re-pleta de atletas amadores enlouquecendo na tentativa de preservar a boa forma – ou uma repleta de jogadores inveterados, que pudessem transformar competi-ções em disputas. Na tripulação de Gibbons, pelo menos, o pessoal podia en-contrar uma harmonia na música que poderia faltar quando a tensão aumentasse com a duração da jornada.
– Não há nada errado em fazer concertos – disse David. – Você é uma exce-lente cantora, e está fazendo sua parte para que a gente não roa as unhas de té-dio.
– Boa o suficiente – Elizabeth concordou, com timidez. – Mas não uma can-tora de ópera.
– Como eu não gosto tanto assim de ópera, não me importo. E duvido que haja muita gente na tripulação que goste, exceto pelo capitão. Embora admita que ninguém que realmente deteste ópera durará muito tempo nesta nave.
– Como seu amigo, tenente Evans? – Perguntou Elizabeth, franzindo o na-riz. Ela não gostava de Evans; o homem a irritava, mas David gostava bastante dele. Havia alguma coisa vagamente inquietante a respeito do tenente, embora Ysaye tivesse dito, em certa ocasião:
– Oh, não ligue para o Evans; ele tem uma grande carreira como vendedor de carros-aéreos usados em seu futuro. – Mas Elizabeth não conseguia descartar o homem com o mesmo pouco-caso.
– Disso, eu não sei – protestou David. – Sim, ele faz comentários grosseiros sobre ópera, não há como discutir, mas esse é só o estilo dele. Ele fala assim so-bre quase tudo. – Ele balançou a cabeça. – De qualquer forma, por que estamos falando de música, com um planeta novo para explorar em poucos dias?
– Por que seu novo planeta é uma possibilidade, e se encontra a dias de dis-tância, enquanto o concerto da tripulação é uma certeza, eu acho – Elizabeth disse, suspirando. – É difícil pensar em qualquer coisa além da rotina quando ainda demorará dias para que possamos sequer chegar perto o bastante para ob-ter fotos decentes do lugar. Eu prometi ao meu departamento que lhes daria as novas sobre o novo planeta logo que houvesse alguma coisa para contar; mas se não há nada, é melhor ir. Estou atrasada.
– Está certo, amor – ele concordou, beijando-a rapidamente. – Até mais.
David e Elizabeth partiram para seus respectivos postos, e Ysaye tornou a se voltar para o console. Mas, ao invés de digitar qualquer coisa que só poderia ser respondida por “dados insuficientes”, sentou em silêncio, ponderando o que-bra-cabeça do planeta habitado.

... continua

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